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DA PRETENSÃO ABUSIVA DE DESCONSTITUIÇÃO DO DISTRITO ESTADUAL DE FERNANDO DE NORONHA PELO GOVERNO FEDERAL

 

 

DA PRETENSÃO ABUSIVA DE DESCONSTITUIÇÃO DO DISTRITO ESTADUAL DE FERNANDO DE NORONHA PELO GOVERNO FEDERAL.

 

                                               Francisco de Queiroz B. Cavalcanti [1]

 

SUMÁRIO:1. Introdução. 2.Breve histórico acerca da titularidade de direito público sobre o arquipélago de Fernando de Noronha.3. O retorno à estadualização” do arquipélago com a CF/88. Regime jurídico da transferência constitucional de titularidade.4. Um grotesco equívoco – a ACO 3568. Análise dos “fundamentos jurídicos”. A questão política. 5.Conclusões.

 

Introdução.

Ao longo de cerca de 44 anos de atividade acadêmica, poucas vezes me deparei algo tão gritante como a questão sobre a qual me debruço neste texto. O faço com pressa, a pressa em exprimir um posicionamento técnico sobre algo que se vislumbra como uma aberração jurídica, motivada, aparentemente, por interesses menores, que aqui não serão invocados, pois, como usualmente ocorre, são dissimulados com argumentos jurídicos, quase sempre toscos, mas que pretensamente justificariam a narrativa.

Lembraria que Pernambuco, em sua história já sofreu golpes e tentativas de golpes em sua integridade, inclusive territorial, motivados usualmente, por posturas refratárias a abusos do Poder Central, por demonstrações de altivez e independência[2]. Aqui a situação não é diversa.  Os meios são mais dissimulados, pois as instituições republicanas estão de pé. O palco é mais seguro para resistência, pois o embate ocorre perante a mais alta Corte do país.

 

A União Federal, no caso que ora se estuda, ajuizou uma ação civil originária (nº 3.568) perante o Supremo Tribunal federal, cujo pedido constante da inicial, ao final, é o seguinte:

 

“a) a concessão de medida liminar inaudita altera pars, com fulcro no art. 300, § 2o , do Código de Processo Civil, para, declarando que o domínio sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha é de titularidade integral da União, determinar, ao Estado de Pernambuco, o imediato cumprimento do inteiro teor do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha, pelas razões antes expostas, com o intuito de evitar, em síntese, (i) a prática de atos em desconsideração às regras patrimoniais e ambientais, bem como (ii) o embaraço à atuação da SPU/ME e dos demais órgãos federais competentes na condução da gestão da ilha; b) a citação do réu, o Estado de Pernambuco, para, querendo, apresentar contestação, nos termos do art. 335 do Código de Processo Civil; c) a intimação do Ministério Público Federal, nos termos do art. 178 do Código de Processo Civil; Impresso por: 657.888.934-53 ACO 3568 Em: 25/03/2022 - 23:32:08 56 d) a procedência do pedido formulado nesta ação originária, confirmando a liminar eventualmente concedida, de modo que seja declarada a titularidade dominial da União quanto ao Arquipélago de Fernando de Noronha, nos termos do que prevê o art. 20, incisos IV e VII, da Constituição da República e, consequentemente, seja determinado o integral cumprimento, pelo Estado de Pernambuco, do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha celebrado com a União em 12 de julho de 2002;  [3].

2.Breve histórico acerca da titularidade de direito público sobre o arquipélago de Fernando de Noronha -Antes de se adentrar no exame técnico científico da matéria em debate, mister se faz, recordar, com extrema brevidade, a evolução histórica das titularidades sobre o arquipélago de Fernando de Noronha (inicialmente Fernão de Loronha).

 Sabido é que aquele belo e relevante conjunto, quer sob o aspecto geográfico, estratégico e econômico é formado por cinco ilhas maiores Fernando de Noronha, Rata, do meio, Rasa e Sela ginete) e catorze pequenas ilhotas de pedra. Segue-se com uma pequena linha do tempo acerca das titularizações do arquipélago:

 

  1. Em 1.504, doada a Fernão de Loronha, pelo rei de Portugal, não explorada, nem por seus descendentes Fernão pereira pestana e João Pereira Pestana;

 

  1. Invadida por Holandeses, foram esses expulsos por força organizada pelo titular da capitania de Pernambuco;

 

  1. Reocupado o arquipélago pelos holandeses quando invadiram Pernambuco e fortificada a ilha principal;

 

  1. Posteriormente, com a expulsão dos holandeses o arquipélago foi cedido a francisco Figueiredo que não o explorou, sendo revogada a doação por D.Pedro II em janeiro de 1693.

 

  1. Em 1696 houve solicitação do governador de Pernambuco Caetano de MELO E CASTRO para ocupar e fortificar o arquipélago, tendo o rei de Portugal por Carta Regia de 24.09.1700, passado o arquipélago para a jurisdição de PERNAMBUCO.

 

  1. Em 1737 os franceses invadiram as ilhas, sendo expulsos por expedição enviada a partir de PERNAMBUCO. A partir daí a ilha principal foi fortificada, passando a contar com regular guarnição.

 

  1.   Essa situação de “pertencimento” à província de Pernambuco continha de modo ininterrupto durante todo o período imperial, tanto que no início da República e, fevereiro de 1891, foi expedido o Decreto que a seguir se transcreve integralmente:

 

DECRETO N. 1371 - DE 14 DE FEVEREIRO DE 1891

Declara que o archipelago de Fernando de Noronha continúa a pertencer ao Estado de Pernambuco.

O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, tendo ouvido o Ministro da Justiça, e considerando:

Que o archipelago de Fernando de Noronha recebeu de Pernambuco os seus primeiros povoadores nos primeiros annos do seculo XVII;

Que o governo da capitania de Pernambuco por duas vezes, em 1630 e 1654, expulsou os hollandezes que se haviam apossado da principal das mesmas ilhas, primitivamente denominada S. João por seu descobridor Fernão de Noronha;

Que foi por iniciativa do governador e capitão general de Pernambuco Caetano de Mello e Castro e com auxilio da Camara Municipal do Recife, que a carta régia de 7 de setembro de 1696 tomou as primeiras providencias para o povoamento e fortificação da ilha principal;

Que a carta régia de 24 de setembro de 1700 determinou que a ilha de Fernando de Noronha ficaria pertencendo á capitania de Pernambuco;

Que foi o governador dessa capitania Henrique Luiz Pereira Freire quem defendeu o mesmo archipelago contra a invasão da companhia oriental franceza, que se havia apoderado em 1736 da ilha de Fernando de Noronha, á qual dera o nome de - Isle Delphine -, sendo desalojados os francezes e construidos os fortes dos Remedios, Santo Antonio e Conceição, além de iniciados os trabalhos agricolas pela expedição que o dito governador mandou em 1737 sob o commando do tenente-coronel João Lobo de Lacerda;

Que pelo mesmo governador foi organizado em 1739 o governo militar e economico da ilha, desde então designada - Presidio de Fernando de Noronha;

Que durante todo o regimen colonial o archipelago de Fernando de Noronha continuou sujeito ao governo de Pernambuco;

Que, proclamada a independencia do Brazil, foi o presidente de Pernambuco quem nomeou o commandante do presidio, e expediu as instrucções de 5 de fevereiro de 1824 para a administração local;

Que a unica lei patria que autorizou cumprimento de pena na ilha de Fernando de Noronha, a de 3 de outubro de 1833, arts. 8º e 9º, designando-a para degredo dos fabricadores e introductores de moeda falsa e falsificadores de notas, cautelas, cedulas, e mais papeis fiduciarios da nação ou de banco, assim como os decretos n. 196 de 1 de fevereiro e n. 802 A de 4 de outubro de 1890, na parte em que mandam alli recolher além dos moedeiros falsos, os contrabandistas, já estão implicitamente revogados pelo art. 43 do novo Codigo Penal que não admittiu a pena de degredo, e pelas disposições do Titulo VI, capitulos 1º e 2º, e Titulo VII do livro 2º do mesmo Codigo que punem taes criminosos com a prisão cellular;

Que, em virtude do art. 3º, paragrapho unico, n. 2 da lei n. 2792 de 20 de outubro de 1877, deixou de ser a ilha de Fernando de Noronha um presidio militar, reconhecendo o legislador a desnecessidade de continuar a pratica, aliás não autorizada por lei, de mandar para alli réos de crimes      militares, condemnados a galés ou trabalhos forçados, visto não proseguirem as obras de fortificação em que dantes eram empregados, e já está revogado o decreto n. 3413 de 11 de fevereiro de 1865;

Que, abolidas as penas de galés e degredo, e não havendo lei alguma vigente que designe Fernando de Noronha para cumprimento de penas, cessaram os motivos pelos quaes em 1877 foi posto esse estabelecimento sob a administração do Ministerio da Justiça, não podendo prevalecer os decretos do poder executivo, que, por conveniencias transitorias, autorizaram a transferencia para aquelle presidio de outras classes de criminosos, mencionados nos decretos n. 2375 de 5 de março de 1859 e n. 9356 de 10 de janeiro de 1885 em varios avisos e ordens provisorias;

Que com o systema federativo e posto em execução o Codigo Penal, nenhum Estado ou o Districto Federal póde ter o direito ou a obrigação de condemnar os criminosos a degredo em territorio de outro Estado, só ao Congresso competindo designar uma certa parte do territorio para estabelecimentos da União;

Que o archipelago de Fernando de Noronha pertence a Pernambuco desde 1700, e sempre esteve sob a jurisdicção das autoridades do Recife;

Que o decreto n. 854 de 13 de outubro de 1890, cuja exposição de motivos, na parte em que affirma ser o archipelago pertencente á União Brazileira, só significa que elle constitue territorio do Brazil, como o de todos os Estados, não estando discriminada por lei qualquer fracção territorial que deva pertencer á União, e na parte que suggeria a conveniencia de ficar o archipelago sujeito á autoridade e justiça federal, se fundava na legislação, actualmente revogada, que impunha pena de degredo para a ilha de Fernando de Noronha, deve ser entendido e executado, de accordo com o disposto no art. 224 do decreto n. 1030 de 14 de novembro de 1890, que declarou pertencer a justiça alli constituida ao Estado de Pernambuco, reconhecendo assim o seu direito e jurisdicção no territorio do archipelago;

DECRETA:

Art. 1º O territorio do archipelago de Fernando de Noronha continha a pertencer ao Estado de Pernambuco.

Art. 2º As attribuições conferidas ao Ministerio da Justiça, em relação ao mesmo archipelago, passarão a ser exercidas pelo Governador do Estado de Pernambuco, desde que este se organizar, e emquanto de outra fórma não determinar o seu poder legislativo, guardadas as disposições da Constituição Federal e leis do Congresso Nacional.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.

O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Justiça assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 14 de fevereiro de 1891, 3º da Republica.

MANOEL DEODORO DA FONSECA.

Barão de Lucena.[4]

 

Observe-se que o texto é de extrema clareza -  continua a pertencer . o texto reconhece uma situação pretérita, assente e pacífica. A expressão reporta a uma situação existente que persistiria. O verbo continuar é inarredável.

Tal situação jurídica continuaria assente por muitos anos. Só cinquenta e um anos depois, durante a ditatura Vargas, sob o argumento de segurança nacional, face á 2ª Guerra mundial, o arquipélago de Fernando de Noronha seria subtraído do domínio de Pernambuco, por Decreto-lei, transformado em território federal, nos seguintes termos:

                                DECRETO-LEI Nº 4.102, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1942

Cria o Território Federal de Fernando de Noronha.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 e nos termos do artigo 6º da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º Fica criado, no interesse da defesa nacional, o território federal de Fernando de Noronha, constituído pelo respectivo arquipélago.

Art. 2º Os bens, situados no Território de Fernando de Noronha, bem como os impostos e taxas, pertencentes ao Estado de Pernambuco, são transferidos à União.

Art. 3º A administração do Território de Fernando de Noronha será regulada por lei especial.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.[5]

GETULIO VARGAS
Vasco T. Leitão da Cunha.
Romero Estelita.
Eurico G. Dutra.
Henrique A. Guilhem.
João de Mendonça Lima.
Oswaldo Aranha.
Carlos de Souza Duarte.
Gustavo Capanema.

Destaque-se – os bens foram retirados da propriedade do Estado de Pernambuco sem qualquer indenização. Modelo esse que se repetiria com a criação, em seguida, de outros territórios federais[6].

 Recorde-se que os territórios federais eram unidades da federação, privadas de autogoverno e autoadministração, espaços de soberania territorial do país integrados diretamente à União.[7]A Constituição de 1988 extinguiu todos os preexistentes embora permita a criação de novos, desde que observado o disposto no art. 18. , § 2º da Constituição Federal.[8]

Aquele modelo, com vários Territórios Federais fora aos poucos sendo esvaziado, reforçando a federação com a transformação de vários deles em Estados, como ocorreu com Rondônia, Acre, Roraima e a incorporação de outros a Estados, recordando – o ACRE se tornou estado; Amapá, pelo art.14, do ADCT de 1988 [9]se tornou Estado; Rio Branco, mudou a denominação para território Federal de Roraima e foi transformado em Estado, pelo ADCT de 1988; Guaporé tornou-se território Federal de Rondônia por força da lei complementar nº 41/81,transformou-se em estado de Rondônia; Ponta Porã, pelo art. 8º do ADCT da Carta de 1946 foi então incorporado ao Estado de Mato Grosso; Já, Iguaçu, pelo art. 8º do ADCT da CF de 1946, foi reincorporado aos Estados de Santa Catarina e Paraná. [10]

 

3. O retorno à estadualização” do arquipélago com a CF/88. Regime jurídico da transferência constitucional de titularidade - No caso do território de FERNANDO DE NORONHA, a Constituição de 1988, textualmente determinou:

 

Art. 15. Fica extinto o Território Federal de Fernando de Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco.

O texto é de extrema clareza. A entidade existente, equiparada a autarquia federal – o território de Fernando de Noronha foi extinto, desapareceu do mundo jurídico e a base física (a área geográfica) sobre a qual existia voltou á propriedade do seu legitimo titular durante séculos – PERNAMBUCO. Como ressaltou José Afonso DA SILVA, sobre o regramento constitucional:

Disposição de eficácia plena e instantânea, como são todas as disposições extintivas de situação jurídica. O fato continua – a ilha de Fernando de Noronha- mas sua condição jurídica- território federal- fundada na normatividade anterior, desapareceu com a entrada em vigor da norma. A ilha incorporou-se ao patrimônio do estado de Pernambuco,             na condição jurídica por ele definida, o que foi feito no art. 96 da Constituição estadual, nos termos seguintes. Art. 96. O Arquipélago de Fernando de Noronha constitui região geoeconômica, social e cultural do Estado de Pernambuco, sob a forma de Distrito Estadual, dotado de estatuto próprio, com autonomia administrativa e financeira. § 1º O Distrito Estadual de Fernando de Noronha será dirigido por um Administrador-Geral, nomeado pelo Governador do Estado, com prévia aprovação da Assembléia Legislativa.[11]

 

§ 3º O Distrito Estadual de Fernando de Noronha deverá ser transformado em Município quando alcançar os requisitos e exigências mínimas, previstos em lei complementar estadual.

 

Sem dúvida, o dispositivo enquadra-se no conceito de norma constitucional de eficácia plena[12], pois como ressalta Walber Agra, norma que produz efeitos sem depender de regulamentação de outra norma.[13]

Na sequência foi promulgada a lei estadual nº 11.304, de 28.12.1995[14] fixando as características do Distrito Estadual de Fernando de Noronha e o regime de seus bens públicos.[15]

 Esse é o quadro jurídico atual. Os bens incorporados com a entrada em vigor do art. 15, do ADCT são tão do estado de Pernambuco quanto aqueles dos outros territórios incorporados ao Paraná, a Santa Catarina etc.

4. Um grotesco equívoco – a ACO 3568. Análise dos “fundamentos jurídicos”

      A transferência da titularidade de bens por força de previsão em novo texto constitucional não gera direito a indenizações. Não são formas de aquisição de propriedade confundíveis com o regime ordinário de aquisições previstos no Código civil e em outros textos legais brasileiros.

     Para tal basta que se confronte o elenco de bens da União Federal previstos na constituição de 1967, com a EC nº 01/69 e o elenco constante do art. 20 da constituição vigente.

     Cite-se, a título de exemplo, o elenco das terras devolutas federais que foi ampliado, passando a integrá-las aquelas necessárias à proteção ambiental, que anteriormente eram estaduais ( CF/88, art. 20: ... II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei ) Tal alteração de titularidade ocorreu sem qualquer indenização a partir do princípio que inexiste direito adquirido face à Constituição, mormente em decorrência do exercício de poder constituinte originário.

      A Ação Civil Originária nº 3568, recentemente proposta pela União Federal, tem como expresso pedido (além de outros pedidos acessórios):

“a procedência do pedido formulado nesta ação originária, confirmando a liminar eventualmente concedida, de modo que seja declarada a titularidade dominial da União quanto ao Arquipélago de Fernando de Noronha, nos termos do que prevê o art. 20, incisos IV e VII, da Constituição da República

e, consequentemente, seja determinado o integral cumprimento, pelo Estado de Pernambuco, do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de

Noronha celebrado com a União em 12 de julho de 2002;”

 

      Esse pedido representa uma verdadeira aberração jurídica pois a titularidade do Estado de Pernambuco sobre Fernando de Noronha não se deu por força de qualquer ato negocial com a UNIÃO FEDERAL, antiga titular, no regime decorrente do ato de força na ditadura Vargas e na vigência das constituições de 1946 e CF/67 com a E.C n/ 01 de 1969.

Houve uma forma originária de aquisição, por força da constituinte e da Constituição decorrente, após acesos debates, gerando a volta do arquipélago ao domínio do Estado que o exercera anteriormente por séculos.

Iniciar-se uma demanda judicial com pretensão tentando entender como fundante do direito do Estado de Pernambuco  um “contrato de cessão de uso em condições especiais da Ilha de Fernando de Noronha” é, no mínimo, um grande EQUÍVOCO, que por acaso, coincide, com os interesses de dirigentes do governo Federal em hostilizar o Estado de Pernambuco, olvidando-se que o regime atual, apesar dos ataques a ele, é de respeito à democracia e ao pacto federativo.

O referido contrato de cessão é nulo de pleno direito, pois firmado em 12 de julho de 2002 descreve a área do arquipélago integralmente como se inda fosse bem da União federal, desprezando expressamente o disposto no art. 15 do ADCT, tanto que nele se afirma uma série de obrigações tratando o Estado de Pernambuco como mero CESSIONÁRIO do direito de uso dos bens que lhe pertencem desde 05.10.1988. Observe-se que o texto invocando o art. 20, IV e VII da Constituição Federal[16] declara o bem como próprio da União Federal, quando já não o era. Àquela altura bens federais nas ilhas eram as sedes de órgãos federais, a nua propriedade sobre terrenos de marinha ocupados por terceiros, áreas ambientais, instalações militares e o mais fora reintegrado ao Estado de Pernambuco. Chegou-se a indicar como de propriedade da União Federal as áreas de 5.751.327,58 m2 e 7.657,86 m2, ou seja.. todo o arquipélago. Chega-se a afirmar na cláusula quarta, quais as destinações do imóvel: ...

A cessão do imóvel antes descrito que se destina `a implementação de ações e projetos com vistas ao ordenamento e à administração racional de seu uso e ocupação e ao desenvolvimento de seu potencial ecoturístico.

            O arquipélago é tratado como se fosse bem da União Federal cedido, quando, em verdade, tal como há em outros tantos pontos do território brasileiro, há pontualmente alguns imóveis federais, o que não transforma o conjunto de Ilhas em “território federal concedido”. Mister observar a cláusula 9ª do citado contrato:

A cessão tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, , sem direito o cessionário a qualquer indenização, inclusive por obras realizadas, se o imóvel no todo ou em parte, vier a ser dada destinação diversa da prevista no art. 2º desta Portaria (textual)ou ainda, se vier a ocorrer inadimplemento de cláusula contratual.

            Tratou-se a traumática ( por força de resistência da União Federal) transferência da posse do arquipélago, por força de límpido texto constitucional, como se fosse uma mera cessão de bem, passível de nulidade, ou de caducidade!!

            Bens estaduais, por força da Constituição, não podem ser passíveis de encampação moto próprio pela União Federal, em clara violação à lei maior. O fundamento invocado na referida A.C.O é absolutamente descabido. 

  Toda a narrativa que nas folhas iniciais da peça vestibular da citada ação parte do pressuposto equivocado que a UNIÃO TERIA CEDIDO O ARQUIPÉLAGO AO ESTADO DE PERNAMBUCO  e poderia retomar o seu domínio, invocando o art. 20, IV e VII, da Constituição federal . Tal é frágil, e sem sustentação jurídica.

Os citados dispositivos não tem o sentido atribuído pela União Federal, nem podem ser interpretados isoladamente. Sabido é da existência de interesses econômicos muito densos por traz de tal investida, o que se vislumbra em inúmeros meios de comunicação.

Vem-se noticiando:

O arquipélago Fernando de Noronha, em Pernambuco, um dos ecossistemas mais sensíveis e ricos em biodiversidade do país, pode ter sua vigilância ambiental afrouxada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para dar lugar à exploração turística e comercial. A intenção foi confirmada pelo senador e filho do presidente, Flávio Bolsonaro (também sem partido) que, em vídeo publicado nas redes sociais nesta semana, afirmou que pretende que a entrada de cruzeiros  marítimos no arquipélago seja liberada. Ele disse ainda que já está atuando para “desatar os nós para que esses segmentos sejam melhor explorados”. Acompanhado do presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), Gilson Machado, os dois acrescentaram que o governo o plano inclui abrir as ilhas para navios de grande porte e instalar novos “recifes artificiais” na área – em um total de 12 pontos – para serem transformados em locais de mergulho. Desde 2001, no entanto, Fernando de Noronha é reconhecido e tombado pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade, por conta de suas belezas naturais e pela enorme biodiversidade abrigada em suas 21 ilhas. Há sete anos ainda que o arquipélago não recebe cruzeiros marítimos com regularidade, medida tomada para evitar ao máximo possíveis impactos ambientais. Hoje, o acesso de embarcações e de turistas é controlado pelo Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), mediante cobrança de taxas de manutenção aos visitantes. Em resposta, o governo de Pernambuco, reagiu com críticas à intenção do governo manifestada pelo filho do presidente Bolsonaro. Por meio de nota, o secretário estadual de Meio Ambiente, José Bertholi, afirmou que o atual governo “desconhece os limites de capacidade de Fernando de Noronha e as consequências de colocar na ilha mais de 600 pessoas de uma só vez, como acontece no casos dos navios de cruzeiro”. “Fica claro como os representantes do Governo Federal se ocupam muito mais em querer impor um tipo de visitação que não respeita a natureza do que focalizar sua energia em iniciativas que respeitam o meio ambiente ou que ofereçam melhores condições de vida aos moradores do arquipélago.”, apontou o secretário. À jornalista Marilu Cabañas daRádio Brasil Atual, o docente e pesquisador da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gustavo Muniz Dias analisou a intenção do governo como “bastante preocupante”. “Não tem embasamento científico nenhum para movimentos deste tipo em um santuário”, garantiu Dias, que é também doutor em ecologia e líder do grupo de Ecologia Experimental Marinha da UFABC. “Existe um plano de manejo da APA (Área de Proteção Ambiental) de Fernando de Noronha, mas já está se ultrapassando o limite de pessoas que podem visitar aquela região. A gente já está ultrapassando o que seria sustentável a longo prazo para o turismo”, adverte o pesquisador. Desde que assumiu, o presidente Bolsonaro tem o arquipélago como alvo. Ao jornal Folha de São Paulo, o secretário disse que, em 2019, o total de visitas passou dos 85 mil previstos pelo plano de manejo e a região recebeu ao todo 114 mil pessoas. Dias explica que um número ainda maior de turistas e cruzeiros só traria prejuízos ao arquipélago a ponto de descaracterizá-lo, aumentando o volume de lixo e a demanda por energia e água potável, indisponíveis nas ilhas de Noronha. (https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2020/03/governo-bolsonaro-ameaca-biodiversidade-de-fernando-de-noronha-por-ideologia-e-turismo -05/03/2020 - )

            Embora lembrando Shakespeare, quando destacava existir mais coisa entre o céu e a terra que crê nossa vã filosofia, é relevante a manutenção do otimismo, no sentido que a petição inicial da União Federal é um mero “equívoco” e não um instrumento para se tentar a concretização de mal maior, de desrespeito ao pacto federativo e aos princípios democráticos e para “destravar’ a aplicação de normas protetivas ambientais.

            A invocação da Constituição Federal deve ser adequadamente interpretada.

Art. 20.  São bens da União:

  1.  

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

V - ...

VI - ...

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

            De se destacar, ENTRETANTO, por ser absolutamente relevante, que as regras e princípios constantes do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não são menos relevantes que o texto geral. Como bem destacado por José Afonso da Silva, normas constitucionais são todas as regras que integram uma constituição rígida. [17], saliente-se, quer do corpo geral, quer do ADCT.

Essas últimas são normas de integração, nesse sentido é pacífica a melhor doutrina. Se fossem normas de nível inferior, jamais poderiam adequar e conciliar as duas ordens constitucionais. Sobre essas normas do ADCT relevante a consulta a José Luiz MARQUES DELGADO em sua magistral monografia sobre o tema[18] quando ressalta:

“a edição de normas de transição para, no dizer de Raul Machado Horta 26, “regular situações discrepantes das normas constitucionais permanentes”, ou, dizendo de outro modo, para “regular a permanência de situações anteriores à vigência da Constituição nova” (ainda Machado Horta, p. 193). Palhares Moreira Reis 27leciona:“A passagem de um sistema jurídico para outro requer normalmente o surgimento de normas de ajuste, disposições inerentes àquele momento histórico” “para que passagem possa ocorrer sem maiores dificuldades”. São exatamente, no caso da Constituição, as chamadas “Disposições Transitórias”, cujo objetivo fundamental deve ser apontado como consistindo em promover a passagem de um regime constitucional para outro, promover a adaptação de um modelo para outro modelo, ou seja, precisamente, promover a transição de uma dada normatividade constitucional para uma nova, nos casos em que esta mesma não quis ser implantada total, abrupta e imediatamente.”...” De fato, aquelas que cuidam diretamente de fazer a passagem de um regime para outro, constituem, secundariamente, exceções porque, no fundo, excluem alguma coisa da imediata implantação do novo regime constitucional. E aquelas cuja finalidade direta é excepcionar do novo regime alguma realidade já existente, estão também, em última análise, promovendo a transição de um regime para o outro, adaptando, modelando essa passagem. Trata-se de verificar o que é procurado em primeiro lugar, vindo o outro elemento como consequência, resultante do primeiro.”

            A União Federal, em sua inicial, na referida A.C.O chegou a alegar que o art.15, do ADCT não significou transferência da titularidade do domínio integral do arquipélago de Fernando de Noronha ( pois) resultaria em incompatibilidade com o expressamente consignado no art. 20, inciso IV da constituição Federal e com a proteção aos interesses nacionais que justificariam a redação do referido dispositivo constitucional.”

            A assertiva olvida a natureza jurídica das normas do ADCT.

Toda a titularidade dominial sobre bens de territórios transformados em estados ou integrados a Estados foi repassada para esses últimos. O que não se confunde com a persistência de edifícios, fortificações, aeroporto, terrenos de marinha (sobretudo a nua propriedade) na propriedade da União Federal.

  Pertinente recordar José Afonso da SILVA quando leciona:

As normas das Disposições transitórias fazem parte integrante da Constituição. Tendo sido elaboradas e promulgadas pelo constituinte, revestem-se do mesmo valor jurídico da parte permanente da Constituição.[19]

            Tal não se confunde com a titularidade da União federal sobre terrenos de marinha [20]quer estejam em áreas de antigos territórios ou não. Por outro lado, as titularidade de bens por aquisição (compra e venda, permuta, doação etc.) da União Federal, não foram afetadas. Houve a transferência do domínio público sobre o arquipélago para o Estado de Pernambuco, que o integra, tal qual as áreas de todos os municípios presentes nos territórios do Estado. Entender de modo diverso seria mutilar o art. 15 do ADCT.

            Não se pode pretender discutir a validade de um preceito constitucional, decorrente de uma Assembleia Nacional constituinte, em discussão acerca de um instrumento negocial que, ressalte-se, é tosco, ilegal e inconstitucional.

            Há no arquipélago de Fernando de Noronha, sobretudo na ilha principal, áreas que são bens patrimoniais da União Federal, tal como aquela onde se situa a Base aérea e o aeroporto, a sede local da unidade do IBAMA, dentre outras, com edificações por ela construídas e até algumas objeto de pretérita apropriação face ao Estado de Pernambuco, na era Vargas. Mas, não se pode confundir tal propriedade patrimonial, prevista no Código civil e em outros dispositivos legais como o decreto-lei nº 9.760/46,  com o domínio sobre o arquipélago, esse, de fundo constitucional.

            Se argumentos como tais fossem aceitáveis e juridicamente palatáveis ter-se-ia grave risco à estrutura federativa. Ter-se-ia a advocacia pública atuando com advocacia de “governo” pretendendo a apropriação pela União Federal de áreas do pantanal, de regiões da floresta amazônica que representem atualmente reservas estaduais etc, co intuitos menores, como ,p.e., reduzir, ou “destravar” a proteção ambiental.

            5. CONCLUSÕES

  1. O ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA FOI REINTEGRADO AO ESTADO DE PERNAMBUCO, ao qual historicamente ESTEVE INTEGRADO desde o século XVI, E POR ATO FORMAL DO REI DE PORTUGAL DESDE O ANO 1700;

 

  1. ESSA CONDIÇÃO FOI INCLUSIVE RECONHECIDA NO INÍCIO DA REPÚBLICA PELO DECRETO N. 1371 - DE 14 DE FEVEREIRO DE 1891, NO QUAL SE AFIRMAVA- Declara que o archipelago de Fernando de Noronha continúa a pertencer ao Estado de Pernambuco... a carta régia de 24 de setembro de 1700 determinou que a ilha de Fernando de Noronha ficaria pertencendo á capitania de Pernambuco.

 

  1. Fernando de Noronha, parcela do território de Pernambuco, foi-lhe retirada, por força de ato de força ( Decreto-Lei nº 4.102, de 09.02.1942) de Getúlio Vargas, sob o argumento de “segurança nacional”, face ao II conflito mundial, mesmo assim não houve devolução da área após a cessação do conflito;

 

  1. Só com a Constituição de 1988, o território foi extinto com a reintegração da área ao seu legítimo titular (ADCT:  Art. 15. Fica extinto o Território Federal de Fernando de Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco.)

 

  1. A Redação do texto é extremamente clara e sem dubiedade, a área não foi doada, cedida, foi reincorporada, ou seja devolvida ao seu titular. Houve um inconteste reconhecimento da titularidade de Pernambuco sobre a parcela de seu território que lhe fora suprimida. Para tal basta que sejam consultados os anais da constituinte (disponíveis no site do Senado Federal).

 

  1. A pretensão de apequenar a discussão do domínio constitucional sobre o arquipélago de Fernando de Noronha para questões menores acerca de cláusulas de um contrato (ressalte-se – abusivo) sobre gestão do arquipélago fere a Carta Magna.

 

  1. Ao que parece, aqui se tem uma tentativa de reedição da retirada da comarca de São Francisco do seu legitimo titular que era a província de Pernambuco, mas, hoje,  com a desvantagem de se ter uma peleja, perante o colendo STF.[21]

 

  1. Dúvida não se pode ter (seria uma heresia jurídica) que pretensas discussões acerca de contratos e convênios entre entes da federação, não tem o condão de mutilar o constitucional direito de Pernambuco ao domínio territorial sobre o arquipélago de Fernando de Noronha.

 

 

 

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

  1. AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. Belo Horizonte. Forum, 2021. P. 130 e 131.

 

  1. BULOS, Uadi Lammego. Curso de direito constitucional.  São Paulo: Saraiva (2008), 4ª.ed, p.825

 

  1. DELGADO, josé Luiz Marques. Disposições constitucionais gerais e disposições constitucionais transitórias.Recife: editora UFPE (2019), p.36 e 53.

 

  1. MAYER, Luiz Rafael. A natureza jurídica dos territórios federais, in Revista de Direito Administrativo, R.J_ FGV, Nº 125 (jul/set 1976, p.14 e segs)
  2. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas constitucionais. São Paulo, Malheiros, 3ª. Ed., p.101.

 

  1. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo, Malheiros,2006.   P.889
  2. SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais, in  Tratado de direito Constitucional, vol 1 ( coord. Ives Gandra da silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento) São Paulo , Saraiva,2010, p.143;

 

  1. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 22ª. ed. São Paulo: Saraiva (2018),  p.535.

 

  1. PONTES DE MIRANDA, Francisco . Comentários à constituição de 1967, com a EC n] 01, de 1969. São Paulo – RT 1974
  2. www.alepe.gov.pe.br 

 

  1.  www2.camara.leg.br

 

  1. www.planalto.gov.br legislação

 

  1. www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2020/03/governo-bolsonaro-ameaca-biodiversidade-de-fernando-de-noronha-por-ideologia-e-turismo  em 05.02.2020
  2. www.stf.jus.br

 

 

     

 

 

[1] Professor titular de Direito Administrativo/decano e diretor da faculdade de Direito do Recife -UFPE. Mestre e Doutor em Direito. Desembargador federal aposentado (TRF 5). Oficial do 2º RGI de Olinda.

 

[2] A título de mera ilustração, recorde-se o ato do Imperador Pedro I, de 07 de julho de 1824, que desmembrou de Pernambuco área maior que a do Uruguai, representada pela margem esquerda do rio São Francisco, até o limite com Minas Gerais, que hoje se acha integrada ao Estado da Bahia. (Paulo GOETHE: Comarca do São Francisco: a Região tomada de PE- diário de Pernambuco, p. A10, em 10.07.2017) 

[3] En passant , deve-se observar que apesar do bilionário valor patrimonial da pretensão de apropriação do arquipélago, os honrados e fieis procuradores federais atribuem à causa o irrisório valor de R$10.000,00, visando minorar os efeitos da sucumbência em lide aventureira, que por certo virão.

[4] www.planalto.gov.br legislação

[6] Vide: DECRETO-LEI Nº 5.812, DE 13 DE SETEMBRO DE 1943.

 

Cria os Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguassú

        O Presidente de República, usando da atribuïção que lhe confere o artigo 180 e nos têrmos do art. 6º da Constituïção,

        decreta:

        Art. 1º São criados, com partes desmembradas dos Estados do Pará, do Amazonas, de Mato Grosso, do Paraná e de Santa Catarina, os Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguassú.             (Vide Decreto nº 6.550, de 1944)

        § 1º O Território do Amapá terá os seguintes limites:

         - a Noroeste e Norte, pela linha de limites com as Guianas Holandesas e Francesa;

         - a Nordeste e Leste, com o Oceâno Atlântico;

         - a Sueste e Sul, o canal do Norte e o braço norte do rio Amazonas até à foz do rio Jarí;

         - a Sudoeste e Oeste, o rio Jarí, da sua foz até às cabeceiras na Serra do Tumucumaque;

        § 2º O Território do Rio Branco terá os seguintes limites:

        - a Noroeste, Norte, Nordeste e Leste, pelos limites com a República da Venezuela e Guiana Inglesa;

        - a Sueste e Sul, pelo rio Anauá, até sua foz no rio Branco, e por êste à sua confluência com o rio Negro;

        - a Sudoeste, subindo pelo rio Negro da foz do rio Branco até à foz do rio Padauari e por êste até à foz do rio Mararí e subindo às suas cabeceiras na Serra do Tapirapecó.

        § 3º O Território, do Guaporá terá os seguintes limites:

        - a Noroeste, pelo rio Ituxí até à sua foz no rio Purús e por êste descendo até à foz do rio Mucuim;

        - a Nordeste, Leste e Sueste, o rio Curuim, da sua foz no rio Purús até o paralelo que passa pela nascente do Igarapé Cuniã, continua pelo referido paralelo até alcançar a cabeceira do Igarapé Cuniã, descendo por êste até a sua confluência com o rio Madeira, e por êste abaixo até à foz do rio Gi-Paranã (ou Machado) subindo até à foz do rio Comemoração ou Floriano prossegue subindo por êste até à sua, nascente, daí segue pelo divisor de águas do planalto de Vilhena, contornando-o até à nascente do rio Cabixi e descendo pelo mesmo até à foz no rio Guaporé;

        - ao Sul, Sudoeste e Oeste pelos limites com a República da Bolívia, desde a confluência do rio Cabixí no rio Guaporé, até o limite entre o Território do Acre e o Estado do Amazonas, por cuja linha limítrofe continua até encontrar a margem direita do rio Ituxí, ou Iquirí;

        § 4º Território de Ponta Porá terã os seguintes limites:

        - a Oeste e Noroeste, pelo rio Paraguai desde a foz do rio Apa até à foz do ria Miranda;

        - a Nordeste, Léste e Sueste, pela rio Miranda, desde à sua foz no Paraguai, até à foz do rio Nioaque, subindo por êste até à foz do córrego Jacarèzinho, segue subindo por êste até à sua nascente e daí em linha reta e sêca, atravessa o divisor de águas entre o Nioaque e Carandá até à nascente do córrego Laranjeira, desce por êste até à sua foz no rio Carandá, continua descendo por êste até à foz no rio Taquarussú, prossegue até à foz do ribeirinho Corumbá, sobe por êste até à foz do rio Cangalha, subindo até à sua nascente, daí segue pelo divisor de águas até à nascente do rio Brilhante, desce por êste até à sua foz no rio Ivinheima, continua por êste abaixo até à sua foz no rio Paraná, descendo por éste até à fronteira com o Paraguai, na Serra do Maracajú;

        - ao Sul e Sudoeste, com a República do Paraguai, acompanhando o limite internacional, até à foz do rio Apa;

        § 5º O Território do Iguassú terá os seguintes limites:

        - ao Norte, Noroeste, Leste e Sueste, o rio Ivaí desde à sua foz no Paraná até à confluência do rio Tapiracuí, subindo por êste até à foz do arroio Saltinho e por êste até às suas cabeceiras, daí numa linha reta e seca até às nascentes de rio D'Areia descendo por êste até sua foz no rio Pequiri, subirdo por êste até à foz do rio Cascudo e subindo por êste até às suas nascentes e daí, por uma linha reta e sêca até às cabeceiras do rio Guaraní, descende por êste até a sua confluência no rio Iguassú, sobe por êste até à foz do rio Butiá, sobe pelo rio Butiá até à suas nascentes, de onde segue em linha reta até as cabeceiras do Iageado Rancho Grande, descendo par êste até a sua foz no rio Chopi, descendo até à foz do rio das Lontras e subindo por êste até às suas nascentes no morro da Balisa, no divisor de águas, entre os rios Uruguai e Iguassú, pelo qual divisor prossegue até encontrar as nascentes do lageado Santa Rosa, descendo por este até à sua foz no Chapecó, ainda subindo por êste até à foz do lageado Norte, pelo qual sobe até às suas nascentes e daí as cabeceiras do lageado Tigre e por êste abaixo até sua foz no rio Chapacózinho, descendo por êste até à foz do lageado Paulo e subindo pelo lageado Paulo às sua cabeceiras, daí em linha reta às cabeceiras do Iageado Torto, por êste até à confluência no rio Ressaca, descendo por êste até à foz no Iraní e descendo por êste até sua foz no rio Uruguai;

        - ao Sul o rio Uruguai, da foz do rio Iraní até a foz do rio Paperiguassú, nos limites com a República Argentina;

        - a Sudoeste, Oeste e Noroeste, a linha internacional com as Repúblicas da Argentina e do Paraguai.

        Art. 2º Passam para a Domínio da União os bens que, pertencendo aos Estados ou Municípios na forma da Constituição e das leis em vigor, se acham situados nos Territórios delimitados no artigo precedente.

        Art. 3º A administração dos Territórios federais, ora criados, será regulada por lei especial.

        Art. 4º O presente decreto-lei entra em vigor a 1º de outubro de 1943, revogadas as disposições em contrário.

        Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1943; 122º da Independência e 55º da República.

GETÚLIO VARGAS
Alexandre Marcondes Filho
A. de Sousa Costa
M. J. Pinto Guedes
Henrique A. Guilhem
João de Mendonça Lima
Osvaldo Aranha
Apolônio Sales
Gustavo Capanema
Joaquim Pedro Salgado Filho.

( www.planalto.gov.br)

 

[7] MAYER, Luiz Rafael. A natureza jurídica dos territórios federais, in Revista de Direito Administrativo, R.J_ FGV, Nº 125 (jul/set 1976), p.41

 

[8]  BULOS, Uadi Lammego. Curso de direito constitucional.  São Paulo: Saraiva (2008), 4ª.ed, p.825

 

[9] CF/88:

                Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos.

      § 1º A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos Governadores eleitos em 1990.

      § 2º Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as normas e os critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitado o disposto na Constituição e neste Ato.

      § 3º O Presidente da República, até quarenta e cinco dias após a promulgação da Constituição, encaminhará à apreciação do Senado Federal os nomes dos governadores dos Estados de Roraima e do Amapá que exercerão o Poder Executivo até a instalação dos novos Estados com a posse dos governadores eleitos.

      § 4º Enquanto não concretizada a transformação em Estados, nos termos deste artigo, os Territórios Federais de Roraima e do Amapá serão beneficiados pela transferência de recursos prevista nos arts. 159, I, a , da Constituição, e 34, § 2º, II, deste Ato.

[10]    CF/46:

 

Art 8º - Ficam extintos os atuais Territórios de Iguaçu e Ponta Porã, cujas áreas volverão aos Estados de onde foram desmembradas.

 

[11] SILVA, José Afonso da . Comentário contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo, Malheiros,2006                       p.903

[12] SILVA, José afonso da. Aplicabilidade das Normas constitucionais. São Paulo, Malheiros, 3ª. Ed., p.101.

[13] AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Belo Horizonte, 10ª. Ed., Ed. Forum, 2021, P.130

 

[14] DAS CARACTERÍSTICAS E PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS

 

Art. 1º O Arquipélago de Fernando de Noronha, conforme disposto no artigo 96 da Constituição Estadual, constitui região geoeconômica, social e cultural do Estado de Pernambuco, instituído sob a forma de Distrito Estadual, com natureza de autarquia territorial, regendo-se por estatuto próprio, nos termos desta Lei Orgânica, com personalidade jurídica de direito público interno e dotado de autonomia administrativa e financeira.

 

Parágrafo único. O Distrito Estadual de Fernando de Noronha, entidade autárquica integrante da administração direta do Poder Executivo, exerce sobre toda a extensão da área territorial do Arquipélago de Fernando de Noronha a jurisdição plena atribuída às competências estadual e municipal, bem como os poderes administrativos e de polícia próprios de ente público.

 

Art. 2º O Território do Distrito Estadual forma um ecossistema único e indivisível, correspondente ao Arquipélago de Fernando de Noronha, reincorporado ao Estado de Pernambuco por determinação do art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República de 5 de outubro de 1988, integrado pela Ilha de Fernando de Noronha e demais vinte ilhas circundantes, na área delimitada pelas seguintes coordenadas:

 

I - latitude 03º 45'S e 03º 57' S; e

 

II - longitude 032º 19’W e 032º 41’W

 

Art. 3º O Distrito Estadual tem por sede a Vila dos Remédios, localizada na Ilha de Fernando de Noronha, e por foro a Comarca do Recife.

 

Art. 4º São símbolos do Distrito Estadual de Fernando de Noronha a bandeira, o escudo e o hino, conforme dispuser a Lei.

 

Art. 5º O Distrito Estadual de Fernando de Noronha rege-se pelo princípio do desenvolvimento sustentável, entendido como aquele que atende às necessidades básicas do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades.

        

         Esse texto, em decorrência elenca os bens públicos do distrito estadual de Fernando de Noronha:

 

   Art. 6º São bens do Distrito Estadual de Fernando de Noronha:

 

I - a totalidade da extensão territorial da ilha de Fernando de Noronha e das demais ilhas componentes do Arquipélago de Fernando de Noronha;

 

II - os bens móveis e imóveis, integrantes do patrimônio do antigo Território Federal, transferidos ao Estado em decorrência de acordo, contrato ou convênio com a União, decisão judicial ou por força de Lei;

 

III - os bens que em seu nome venha a adquirir ou os que lhe forem transferidos pelo Estado de Pernambuco.

 

Art. 7º São considerados bens públicos distritais:

 

I - os de uso comum do povo, os bens de fruição própria da comunidade, tais como as estradas, ruas, praças, logradouros públicos e outros similares;

 

II - os de uso especial, os bens destinados à execução dos serviços da administração distrital, tais como as repartições públicas, os terrenos destinados ao serviço público e outros de serventia semelhantes;

 

III - os bens dominicais, os que, embora integrando o domínio público, são inalienáveis e intransferíveis a qualquer título, salvo mediante permissão ou cessão de uso, nas hipóteses previstas pela legislação aplicável e na presente Lei.

 

 

 

[15] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 22ª. ed. São Paulo: Saraiva (2018),  p.535.

[16] Observe-se que o STF vem reconhecendo que o disposto no art. 20, IV da CF/88, não impede a ocorrência de regulares e constitucionais transferências de propriedade, nesse sentido, dentre outros, o R.E 63.6199/ES, relatado pela ministra Rosa Weber e julgado em 27.04.2017.   

[17] SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais, in  Tratado de direito Constitucional, vol 1 ( coord. Ives Gandra da silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nacimento) São Paulo , Saraiva,2010, p.143;

 

[18] DELGADO, josé Luiz Marques. Disposições constitucionais gerais e disposições constitucionais transitórias.Recife: editora UFPE (2019), p.36 e 53.

[19] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo, Malheiros,2006.   P.889

[20] Conceituados no Decreto-Lei 9.760/46:

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

        a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

        b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

        Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

        Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

 

[21] Seria de lembrar-se a velha frase: “ainda há juízes em Berlim”, do conto do Moleiro de Sans-Souci, imortalizado por François Andrieux

Data da última modificação: 29/03/2022, 08:24