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Violência contra a mulher é permeada por relações assimétricas de poder, aponta estudo
Agressão por ciúme é uma das principais formas de manifestação da violência contra a mulher ocorrida em âmbito doméstico
Por Raiane Andrade
A violência contra a mulher configura uma violação aos Direitos Humanos e reflete as relações assimétricas de poder presentes no âmbito social entre os gêneros masculino e feminino. A manutenção dessa desigualdade é proveniente do patriarcado e do machismo, que culminam na discriminação de gênero. É o que comprova o pesquisador Wallace C. Campos Albuquerque em sua dissertação de mestrado intitulada “Violência Doméstica Contra Mulheres: uma análise dos discursos reproduzidos em processos da Lei Maria da Penha”, apresentada, em 2022, ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, no Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Sob a orientação da professora Soraya Maria Bernardino Barreto Januário e coorientação do professor Elton Bruno Soares de Siqueira, a pesquisa é resultante da análise discursiva de dois autos de processos judiciais referentes à Lei Maria da Penha. “A relevância em pesquisar sobre a violência doméstica contra mulheres é tamanha, porquanto só a partir de uma maior igualdade de gênero teremos uma sociedade mais justa em todos os sentidos, ou seja, a evolução da humanidade perpassa inevitavelmente por essa equalização”, aponta o autor da dissertação.
Com o objetivo de compreender a maneira em que a discriminação de gênero se configura no âmbito social, a motivação dos agressores e o comportamento adotado pelas vítimas perante as práticas violentas, Wallace Campos analisou os sentidos discursivos dos sujeitos em sua pesquisa qualitativa e documental. O tipo de documento analisado trata-se de depoimentos contidos em processos jurídicos. Quanto ao aspecto teórico-metodológico, utilizou-se a Análise Crítica do Discurso (ACD), na concepção do linguista Norman Fairclough. A teoria faircloughiana consiste em analisar o discurso em uma perspectiva tridimensional que compreende o texto, a prática discursiva e a prática social. “Esta última dimensão tem a ver com os conceitos de ideologia, poder e hegemonia, imprescindíveis para entender as relações de poder existentes dentro de um contexto doméstico”, evidencia o pesquisador.
A partir da análise dos discursos dos atores sociais – vítima (mulher), informante, agressor (homem) e testemunha –, o pesquisador verificou que o ciúme foi o principal fator que desencadeou os crimes de lesão corporal ocorridos em âmbito doméstico. Outras formas de transgressão da lei se configuram nos crimes de ameaça e injúria. Fora isso, o consumo exacerbado de bebidas alcoólicas, a objetificação da mulher e a possessividade foram apontados como motivações mais recorrentes. Além disso, a imposição de limites quanto ao modo de se vestir e à liberdade de locomoção das suas companheiras figura como uma forma de controle por parte dos homens, característico de atitudes opressoras, autoritárias e machistas pautadas no patriarcalismo. Logo, constatam-se processos de subjugação do gênero feminino.
Ainda conforme o autor, os casos que receberam os nomes fictícios de Maria e Rita, para preservar a identidade das vítimas, denotam a prática de atitudes violentas desde as mais sutis, tais como a simbólica, a psicológica, a moral e a patrimonial, até as mais graves, a exemplo da violência física. Os motivos para a permanência das mulheres no ciclo de violência são a dependência financeira e emocional; ausência de perspectiva socioeconômica; dificuldade no acesso a uma assistência jurídica; além de sentimentos como o medo, a vergonha e a insegurança. Dessa forma, “os discursos analisados refletem as relações desiguais de poder entre homem e mulher por meio de práticas cotidianas e mostram que os agressores tentam manter a mulher sob o seu controle, em constante cativeiro”, explica Campos.
FILTRAGEM – Para o estudo, foi realizada uma busca no arquivo da Vara Criminal de Limoeiro (PE) e foram catalogados 540 processos jurídicos que versavam sobre a Lei Maria da Penha, correspondentes ao período de 2012 até 2021. Posteriormente, houve uma filtragem baseada nos seguintes critérios: quantidade e característica. Assim, estabeleceu-se o quantitativo de dois processos. Quanto à característica, outros filtros foram empregados: o primeiro correspondia à fase processual alcançada, e o segundo à condenação ou à absolvição do acusado. Logo, os processos a serem selecionados deveriam conter a fase instrutória, como também a comprovação de que o acusado cometeu o crime.
Após a dupla filtragem, apenas quatro processos atendiam aos critérios estabelecidos. Desses, dois foram escolhidos, o Caso Maria e o Caso Rita, um porque o inquérito policial foi realizado por uma mulher, e o outro por terem sido utilizados recursos audiovisuais nos depoimentos em julgamento. A transcrição dos discursos proferidos nos autos corresponde tanto à fase policial quanto à judicial. A partir do estudo, o pesquisador averiguou que durante a lavratura do Boletim de Ocorrência (B.O.) de cada caso, aquele que foi conduzido e lavrado por uma escrivã apresentou um maior detalhamento dos acontecimentos se comparado ao realizado por um escrivão.
Conscientização, lei e debate sobre violência contra a mulher ajudam a combater crimes
A violência praticada contra pessoas do sexo feminino é reflexo de uma sociedade patriarcal e sexista, conforme reforçado na pesquisa de Wallace Campos. No entanto, o surgimento dos movimentos feministas no Brasil e o estabelecimento da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), sancionada em 7 de agosto de 2006, permitiram uma maior discussão em torno da temática de modo a encorajar as vítimas a denunciarem seus agressores. A criação de mecanismos que visam a coibir esse tipo de prática delitiva e a adoção de medidas protetivas favoreceram a prevenção e punição dos casos de violência doméstica.
De acordo com o pesquisador, é imprescindível a criação de programas de assistência às mulheres que romperam com as relações abusivas praticadas por seus ex-companheiros. Quanto aos agressores, esses carecem de programas destinados à sua recuperação e reeducação, com o intuito de impedir a reincidência da violência doméstica e familiar. “Embora estejamos longe de uma sociedade igualitária, observei que há um processo crescente de conscientização das mulheres e das pessoas em geral com relação aos mecanismos da Lei Maria da Penha, o que ajuda na mitigação do sistema patriarcal”, comenta.
O interesse por estudar e compreender os casos de violência doméstica foi proveniente da preocupação de Wallace Campos com a efetivação dos Direitos Humanos no País. Outro fator que contribuiu foi a sua atuação como analista judiciário na Comarca de Limoeiro, cidade localizada no Agreste do Estado de Pernambuco, em que tramitam diversas ocorrências desse tipo de crime. Partindo de motivações pessoais, o pesquisador pontua que a convivência em família nuclear constituída por mulheres e o exemplo deixado pela avó Rita (em memória), abandonada pelo marido com 13 filhos para cuidar, foram determinantes na escolha da temática abordada em sua dissertação.
Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPE
(81) 2126.8766
ppgdh@ufpe.br
Wallace C. Campos Albuquerque
wallacealbuquerque@yahoo.com.br