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Médico-legista Nina Rodrigues foi precursor na defesa de direitos civis dos alienados
Maranhense propôs, em 1916, novo projeto político e intelectual para defesa dos direitos civis dos alienados
Por Renata Reynaldo
Reconhecida por grande parte dos juristas como a alteração mais importante ocorrida no Direito Civil nos últimos anos, a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2016, sofreu influências do pensamento de um médico-legista maranhense que atuou ativamente nos debates para elaboração do primeiro Código Civil brasileiro, há cem anos. Em sua dissertação para a conclusão do mestrado, Nina Rodrigues e a situação legal dos loucos no Direito Civil Brasileiro (1899-1916), Rafael Santana Bezerra aponta que Raimundo Nina Rodrigues contribuiu, ainda no início do século passado, com a “conformação de um novo projeto político e intelectual: a defesa dos direitos civis dos alienados”.
Desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em História da UFPE, sob orientação do professor Cristiano Luis Christillino, a pesquisa identificou que ainda que as principais propostas de Nina Rodrigues não tenham sido aceitas ou levadas a plenário, ao menos parte de suas ideias circularam nos debates parlamentares, ganharam adeptos entre a comunidade médica nacional e internacional e ajudaram a construir a codificação republicana acerca da situação dos então denominados “loucos de todos os gêneros”. “Ele manifestou essas preocupações e se valeu de toda uma estratégia corporativista em defesa da própria profissão pois, para ele, proteger os alienados, no âmbito jurídico, passava necessariamente por uma ampliação da atividade dos médicos-legistas nos 'Tribunais de Justiça' e nos estabelecimentos hospitalares“, avalia Rafael Bezerra.
Ao consultar a obra de Nina Rodrigues com o propósito de analisar as concepções do médico-legista acerca dos espaços de cidadania reservados aos “alienados” no Projeto de Código Civil, elaborado sob coordenação jurisconsulto Clóvis Beviláqua, o autor da dissertação se deparou com debates médicos-jurídicos sobre a situação legal dos loucos. E, segundo constata Rafael Bezerra, “o Código Civil de 1916 não favoreceu, como queria Nina Rodrigues, a prática do internamento como medida terapêutica, mas manteve o nexo do encarceramento ligado aos seus significados coercitivos e sua lógica de manutenção da ordem pública, excluindo a 'miséria' e os 'desatinados' do meio familiar e do convívio social”.
Raimundo Nina Rodrigues, segunda relata a pesquisa, é considerado o fundador da antropologia criminal brasileira e pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no país. “Foi o primeiro estudioso brasileiro a abordar o problema do negro como questão social relevante para a compreensão da formação racial da população brasileira, apesar de adotar uma perspectiva racista, nacionalista e cientificista, em seu livro Os Africanos no Brasil (1890-1905)”, analisa Bezerra. Mas, em defesa do seu autor pesquisado, Rafael observa uma mudança de discurso em Nina Rodrigues. “Em 1894, ele defendia posições influenciado pelas teses lombrosianas e pelas escolas criminalistas, e já depois, na avaliação da incapacidade civil, outras conceituações científicas guiavam suas argumentações”, afirma.
Em síntese, o mestre em História Rafael Santana Bezerra classifica Nina Rodrigues como “o estranho caso de um autor famoso com a maior parte de sua obra quase desconhecida e inacessível”. E continua: “'O Alienado no Direito Civil Brasileiro: Apontamentos Médicos Legaes ao Projeto de Código Civil' (1901) é um desses títulos que empilharam bibliotecas empoeiradas e quase se extinguiram em meio ao tempo e as traças. Escrito num momento político conturbado, de afirmação de um novo regime político (a República), esta obra nos dá a dimensão de suas preocupações médicas, políticas e sociais.”
Mais informações
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Rafael Santana Bezerra
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