Artigos Artigos

Voltar

Lembranças da Boa Vista

Por Gilson Edmar, vice-reitor da UFPE
gilson.edmar@ufpe.br Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.
 
Vou continuar com aquele passeio sentimental pelos recantos da minha infância e adolescência, a nossa querida Boa Vista, bairro onde também morava a maioria dos judeus do Recife. Fiz grandes amigos entre eles, sendo que alguns se transferiram posteriormente para Israel. Gostaria muito de revê-los. Nas proximidades da nossa casa tinham sedes o Clube e o Colégio Israelita, além das associações de jovens, o "Dror" e o "Hashomer. Os judeus foram os habitantes dos primeiros prédios do bairro.
 
Os moradores da Rua Visconde de Goiana, onde vivi, constituíram uma grande família. Crescemos juntos nas brincadeiras, nos estudos, nos namoros, consolidando uma amizade que perdura até hoje. Outros que habitavam nas proximidades vieram se incorporar a nossa turma. Ao citar alguns, estarei falando de todos, pela amizade nunca rompida. Convivemos com eles no nosso cotidiano passado e estaremos juntos para sempre, na memória e no coração. O grupo de amigos da Boa Vista fez o que todos os jovens da época faziam. Íamos aos Clubes Português, Internacional e Jet, a Festa da Mocidade, as Missas do Salesiano e os Cinemas do bairro, íamos ver a saída das meninas do N. Sra. do Carmo, tomar sorvete nas Sorveterias Gemba e Fri-Sabor, íamos ainda à praia e às pescarias no mar e no Rio Capibaribe, além das boates do Bairro do Recife e da Rua do Rangel, para as primeiras experiências sexuais, o local dependia da disponibilidade financeira, sendo mais caras as do Rangel. Tomávamos o Maltado da Galeria ou comíamos na Cantina Star, para recuperar as forças, após as nossas noitadas.
 
Fomos também capazes de gestos nobres só percebidos posteriormente, pois eram ações espontâneas. Assim foi quando um dia, juntamente com Roberto e Arnaldo de Carli, encontramos um jovem paraplégico, por sequela de poliomielite. Era Walter, filho de um inglês, Mr. Petty. Andava numa cadeira de rodas, quase não saía de casa, pois ficava com vergonha quando as pessoas o chamavam de "aleijado". Levamos Walter para o nosso grupo. Quando saíamos de bicicleta, íamos empurrando a cadeira dele, que tinha uma catraca a ser acionada com a mão. Logo, andava com menos velocidade. Por isso não era incomum cairmos todos, inclusive ele, que aprendeu a rir e ser feliz. Quando íamos a uma festa num primeiro andar, carregávamos Walter junto com sua cadeira, para que ele dela participasse. Não imaginávamos, na época, o quanto estávamos fazendo bem a ele. Só havia algo que nos separava. A casa que ele morava na Rua Gervásio Pires, esquina com a Av. Conde da Boa Vista era "assombrada" e quem dormiu lá sofreu horrores com os fantasmas. A família sabia conviver com o sobrenatural. Walter já não se encontra mais entre nós, mas deixou grande saudade.
 
Também na Boa Vista localizava-se a sede da Aliança Francesa, na Rua Dom Bosco, onde alguns de nós estudaram, levando os outros para jogar na quadra de lá e para dançar quadrilha no São João. Nesta época, conheci Elder e Elba Lins Teixeira, ele participante do nosso grupo, seus pais e também Suely, Henrique e Ivanise Mattos de Oliveira. Dr. Mattos, como era chamado, exercia o cargo de diretor da Aliança. Continuamos, na idade adulta, esta amizade fraterna. Ainda na Boa Vista, o grupo se reunia para jogar "pelada". Para disputar futebol com equipes de outros bairros foi necessário criar um time, com padrão e tudo mais. Chamou-se Capibaribe, cujo "dono" era o sargento Mendes. Sua sede ficava na Travessa do Veras, mas as decisões eram tomadas na Sapataria de Paulinho (também chamado de Apólio), irmão de Fernando Viana, outro "dono" do Capibaribe, primos de Marcelo e Marcilo Lavra e de Leonardo Dantas.
 
Em nossa casa, morava conosco uma tia, Guiomar, irmã de minha mãe, Sevy, extraordinária costureira, hoje seria estilista. Essa tia querida morou conosco até se casar com José Santiago, um rubro-negro viúvo, com três filhos, Terezinha, Tânia e José Geraldo. Conquistou com amor a todos eles, ampliando assim a nossa família, com a inclusão de novos primos. Sempre estaremos unidos, com as bênçãos celestiais dela, pois infelizmente já se encantou. Quando eu tinha 14 anos, nos mudamos para a Ilha do Leite. As histórias de lá, contarei em outro artigo.
 
Publicado na edição de 26 de março de 2009 do Jornal do Commercio
Data da última modificação: 31/10/2016, 10:43

Portlets aninhado Portlets aninhado