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Inspiração para enredo da Viradouro em 2025, história de Malunguinho foi estudada por professor da UFPE
Foi o professor Marcus Carvalho, da UFPE, quem encontrou documento registrando a existência do líder João Batista
Por Eugênia Bezerra
Ao passar pela Marquês de Sapucaí, no próximo domingo (dia 2), a G.R.E.S Unidos da Viradouro contará uma história de resistência e fé com o enredo “Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundos”. Para se aproximar do universo do líder quilombola e entidade da Jurema, representantes da escola de samba de Niterói (RJ) desembarcaram no Recife já em março de 2024. Por terem consultado o material produzido pelo Quilombo Cultural Malunguinho, chegaram ao pesquisador, historiador, Omo Sango e devoto da Jurema João Monteiro. Foi a partir da pesquisa histórica que eles se depararam com os trabalhos do professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcus Carvalho. Autor de muitos estudos sobre Malunguinho e o Quilombo do Catucá, o professor da UFPE foi quem encontrou um documento que registra a existência do líder João Batista.
As pesquisas do professor Marcus Carvalho sobre o tema tiveram início durante o Doutorado em História e foram aprofundadas nas décadas seguintes. Ao buscar informações sobre o que ocorria em Pernambuco na época de lutas pela independência para elaborar a tese “Hegemony and Rebellion in Pernambuco, 1821-1835” (defendida em 1989, na University of Illinois), ele se deparou com menções ao Quilombo do Catucá (1817-1837) e a Malunguinho.
“O Catucá é um conjunto de florestas que sai mais ou menos de onde hoje é Dois Irmãos e vai serpenteando entre engenhos na zona da mata seca e planalto até a região de Goiana. Notei que, quando chegou ali em 1800, começou a aparecer na documentação o nome de um líder, Malunguinho, e fui atrás. A palavra malungo apareceu em texto de língua portuguesa pela primeira vez por meio de um inglês, Henry Koster. Depois, vi que essa palavra também era utilizada na Jamaica, por pessoas do Congo, e no Haiti. Havia vários estudos sobre isso”, lembra o professor Marcus Carvalho.
O pesquisador estudou a etimologia da palavra e também consultou, por exemplo, estudos feitos pelo antropólogo Richard Price sobre os Saramaka, que se organizaram em quilombos no Suriname. As referências históricas foram aparecendo, mas uma questão continuava em aberto.
“O historiador precisa lidar com isso, dizer: ‘tenho registros até aqui’. Vou citar, por exemplo, Zumbi dos Palmares. Sabemos que ele teve uma existência carnal, para utilizar a linguagem da Jurema, porque houve aqui a embaixada do líder Ganga Zumba, e se sabe da morte de um indivíduo chamado Zumbi. Mas Zumbi também era o nome de um deus no Congo. Então, se não fosse a sua morte como pessoa, bastante documentada, se poderia cogitar que havia uma referência a uma divindade sem nunca ter existido um indivíduo”, compara Marcus Carvalho.
O professor da UFPE continua: “Segui pesquisando e encontrei o registro sobre a morte do primeiro líder Malunguinho, em 1829 e também da morte do seu sucessor, o último líder do Quilombo do Catucá, João Batista, morto em combate em setembro de 1835. É um grande paradoxo, a única prova de vida dessas lideranças do quilombo do Catucá ser, na realidade, a prova da morte deles. Publiquei esse estudo e ele teve muitas cópias através do historiador Hildo Leal da Rosa, que dirigia o setor de manuscritos do Arquivo Público de Pernambuco na época. Ele é da jurema e divulgou muito esse trabalho entre os juremeiros. Obviamente, não fui a primeira pessoa a falar sobre Malunguinho. Teve por exemplo o historiador Pereira da Costa, no início do século 20. O que achei mesmo foi a prova de vida e a partir daí estudei essa ligação entre Maluguinho personagem histórico com o Malunguinho da Jurema”.
“Quando foi feita a proposta para a Lei Nº 13.298, em 2007, tive um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Fui convidado a falar na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) como professor de História, para fazer a demonstração documental. E agora o pessoal da Viradouro me encontrou por causa desse estudo. Fiquei muito feliz. Quem está à frente disso não sou eu, é o pessoal da Jurema, que tem vários professores de História. Quem está na consultoria da escola é o próprio pessoal da Jurema”, lembra o professor da UFPE, que foi homenageado na Kipupa de Malunguinho pelo Povo de Terreiro de Pernambuco, em 2013.
O documento que registra a morte de Malunguinho foi lembrado pelo enredista da Viradouro, João Gustavo Melo, quando perguntado durante o programa Sem Censura (TV Brasil), o que mais tinha lhe surpreendido durante a pesquisa. Na ocasião, ele também falou sobre a estadia em Pernambuco “O Tarcísio (Zanon, carnavalesco) já estava com uma ideia, abstrata ainda, de falar sobre Malunguinho. Só que nós sabíamos muito pouco e também precisaríamos falar com algumas lideranças religiosas de lá para entender melhor, pedir licença, obviamente, e saber se essas comunidades se sentiriam homenageadas. A gente teve uma conversa muito boa com o professor João Monteiro, maravilhoso, que também nos apresentou (o trabalho de) outro professor, (que é) da UFPE, Marcus Carvalho. Ele descobriu que existia realmente o João Batista, Malunguinho. E, para a gente ver como opera o racismo no Brasil, de forma muito violenta e cruel. O único registro histórico da existência do Malunguinho é o registro de morte dele”, afirmou Gustavo.
“Zanon e Gustavo são uma dupla muito boa em pesquisa”, comenta o professor João Monteiro, que deu a ideia de organizarem um concurso entre estudantes da rede pública para escolher a arte utilizada na identidade visual do enredo (a vencedora foi a estudante Brunna Félix do Carmo, do EREM Argentina Castello Branco). Ele continua: “Acredito que Zanon está construindo o enredo com muita dedicação. Foram inúmeras vezes em que eles ligaram para perguntar se o termo era certo, se colocar um objeto na posição tal era correto. Quando tinha dúvidas, eu buscava os sacerdotes para perguntar, porque a gente nunca sabe de tudo, não é? A construção foi feita dessa forma. Ele tomando sempre cuidado com adereços, com formatos, com formas, e eu tomando meu cuidado aqui nas respostas a serem dadas a ele. Então, a coisa toda foi construída com muito cuidado e respeito ao tema”.
Os professores João Monteiro e Marcus Carvalho estão entre os pernambucanos que vão presenciar o desfile da Viradouro. “Vou desfilar junto com 70 pessoas daqui, entre juremeiros, professores, ativistas do movimento social negro, artistas, produtores. Um grupo bem eclético e participativo dessa construção de Malunguinho. A perspectiva é total, a ansiedade é imensa. E eu acredito que vai dar tudo certo porque a expectativa maior é fazer com que Pernambuco comece a reconhecer Malunguinho enquanto uma figura histórica, que Brasil o reconheça e o mundo o reconheça também como uma figura de referência do povo negro brasileiro”, afirma João Monteiro.
Mais informações
Professor Marcus Carvalho
marcus.carvalho@ufpe.br
A seguir, foram reproduzidos o enredo e o samba-enredo que a Unidos da Viradouro vai apresentar em 2025:
ENREDO DA VIRADOURO | EVOCAÇÃO À FALANGE DE MALUNGOS
Sobô Nirê Mafá!
De longe ouvi me chamar... A fumaça me trouxe até aqui!
Arreia em terreiro encantado a falange de malungos, meus companheiros de caminho a galopar no vento e se espalhar no chão profundo feito raiz da Jurema.
Mas quem sou eu que desperta ao chamado da nação coroada de Xangô?
Sou o herói do avesso que veio do povo Bantu, o malassombro dos que me queriam sem história.
Sou o libertário que ronda os campos para queimar engenho, fogo de levante alastrado no canavial!
Me deram nome de João Batista, o derradeiro dos Malungos, o pavor dos tiranos, líder dos motins.
Vivo na revolta que transborda em peito rebelado.
Minha chave mágica abriu tranca de senzala.
Na fuga do cativeiro, os Encantados se acostaram em meu auxílio.
Cada árvore ancestral despistava o algoz, causando perturbação no inimigo. Eram gritos aterradores ecoando no corredor da vegetação: “EU SOU MALUNGUINHO, EU SOU MALUNGUINHO”!
Foi desse jeito que sobrevivi às emboscadas.
Com a minha cabeça a prêmio, desenhei estratégias de defesa da minha gente que se espalhava pelos mocambos do manguezal na beira do rio Beberibe e em toda mata ao norte de Pernambuco.
De tanta provação, ressurgi virado em mensageiro de três mundos.
Mata, Jurema e Encruzilhada. A trinca onde sou Caboclo, Mestre e Exu-trunqueiro.
Semente, folha...
Raiz!
Sou Reis Malunguinho! Mas me chame também de Caboclo da Mata do Catucá.
LÁ NA MATA, EU SOU CABOCLO...
Abri as trilhas para me entocar dos medonhos.
Tentaram me derrubar botando estrepes no caminho. Mas também aprendi a remover tocaia para libertar meus companheiros.
Ferido de morte, fui curado pelos Encantados e donos das folhas.
Reverti em meu favor as artimanhas dos incautos.
Amolei foice e facão, abri a boca da mata para ajudar os que merecem.
E foi assim que me deram a coroa de palha e pena nas brenhas do Catucá.
Foi lá que acoitei meus irmãos, subi ao altar de Caboclo com a minha preaca na mão, na brecha rasgada no matagal.
Herdei a ciência dos Pajés, a sabedoria dos cocares.
No labor das matas, cada um existia pelo outro, união tramada em cipó de Japecanga.
Hoje eu vivo em cada semente que estala maracá, alumio a tocha que encandeia o breu noturno.
Trabalho na força das ervas, desvendando o mistério das macerações e o segredo das infusões.
Passa rio, passa riacho, mas meu nome permanece.
Sou Reis Malunguinho! Mas me chame também de Mestre!
TRIUNFA, MESTRE!
Triunfei, triunfá! É Catimbó praticado na raiz.
Do meu cachimbo, sai a força da rama soprada no vento, fumaça de limpeza e descarrego.
Trago o triunfo dos que alcançam a visão que vem de dentro; o guia que conduz pelo reino dos invisíveis, universo fumegante que revela a ciência dos Encantados.
Moro na magia da cuia de Sapucaia que oferta o vinho da Jurema Sagrada.
Sou o zeloso protetor dos que viajam ao interior de si, a miração que transcende a consciência.
A chave que um dia abriu a tranca dos portões do cativeiro, agora fecha o corpo dos enfermos.
Mestre que trabalha pela cura, faço vigília pela restauração dos aflitos.
Nas taças transparentes dos rituais de mesa, meus príncipes e princesas indicam as veredas da luz.
Das sete cidades encantadas da Jurema, eu arreio na Junçá, Vajucá, Manacá, Catucá, Angico e Aroeira, abrindo os portais dos outros mundos.
Sou Reis Malunguinho! Mas me chame também de guardião dos Encantos Cruzados.
NA ENCRUZA, SOU GUARDIÃO...
Nos pontos onde se cruzam os mistérios e festanças, eu sou Exu-trunqueiro
Meus caminhos se encontram com os daqueles que me esculpem na fé dos benfeitores.
Cruzo as sete pontas com as linhas traçadas da estrela que alumia minha gente, nos símbolos magísticos que misturam todo crer.
Tranço arco e flecha com Oxê!
Moro no tronco firme a sustentar o Quilombo que vive em nós.
Ostento a coroa de Reis em procissão. Festa, arte, reparação!
Em meu nome toca o alujá ligeiro, se enfeita a Calunga do Maracatu, dançam as penas do Caboclinho de Sete Flechas, quebra a anca no Coco de Roda e no Coco de Gira.
Empunho o Estandarte imponente que segue à frente dos cortejos em que o povo me anuncia nos cruzeiros.
Meu nome é João Batista!
Mas me chame de Malunguinho, o mensageiro de três mundos!
Coroado no tambor pela nação de Xangô que me convoca,
EU VIM PRA TACAR FOGO NO BRASIL!!
Sobô Nirê Mafá!
SAMBA-ENREDO DA VIRADOURO | MALUNGUINHO – O MENSAGEIRO DOS TRÊS MUNDOS
Autores: Paulo César Feital, Inácio Rios, Marcio André Filho, Vaguinho, Chanel, Igor Federal e Vitor Lajas.
Intérprete: Wander Pires
Acenda tudo que for de acender
Deixa a fumaça entrar
Sobô Nirê Mafá, Sobô Nirê!
Evoco, desperto nação coroada
Não temo o inimigo
Galopo na estrada
A noite é abrigo
Transbordo a revolta dos mais oprimidos
Eu sou caboclo da mata do Catucá!
Eu sou pavor contra a tirania!
Das matas, o Encantado
Cachimbo já foi facão amolado
Salve a raiz do Juremá!
Ê, juremeiro! Curandeiro, ó!
Vinho da erva sagrada
Eu viro num gole só
Catiço sustenta o zeloso guardião
Trago a força da Jurema
Não mexe comigo, não!
Entre a vida e a morte, encantarias
Nas veredas da encruza, proteção
O estandarte da sorte é quem me guia
Alumia minha procissão
Do parlamento das tramas
Para os quilombos modernos
A quem do mal se proclama
Levo do céu pro inferno
Toca o alujá ligeiro,
Tem coco de gira pra ser invocado
Kaô, consagrado!
Reis Malunguinho, encarnado
Pernambucano, mensageiro bravio
O rei da mata que mata quem mata o Brasil! (bis)
A chave do cativeiro
Virado no Exu Trunqueiro
Viradouro é Catimbó!
Viradouro é Catimbó!
Eu tenho corpo fechado
Fechado, tenho meu corpo
Porque nunca ando só
(Porque nunca ando só!)