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Clínica de Direitos Humanos do Programa de Extensão aSIDH da UFPE é referenciada pelo Supremo Tribunal Federal, trazendo inovação no controle de convencionalidade com base no caso do povo Xukuru da Corte IDH, para questionar a tese do marco temporal.

No cenário do julgamento do marco temporal[1] no Supremo Tribunal Federal (STF), o programa de extensão Acesso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos (aSIDH), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ganhou destaque na Corte Constitucional por trazer o controle de convencionalidade com base no caso do povo Xukuru  para questionar a tese do marco temporal e para demonstrar juridicamente e cientificamente o direito dos povos indígenas ao seu território ancestral. Coordenado pela Profa. Dra. Flavianne Nóbrega, da Faculdade de Direito do Recife, o aSIDH da UFPE foi expressamente citado pelo Ministro Luís Roberto Barroso durante sessão ocorrida no dia 30 de agosto de 2023, em fala sobre o caso Povo Indígena Xukuru e seus membros vs. Brasil, da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), na qual o projeto participou como amicus curiae[2], o único enviado por uma universidade.

 

O Ministro Barroso ressaltou como o caso citado “reconheceu a responsabilidade internacional do Brasil pela irrazoável demora na demarcação e pelo prejuízo sofrido por tal povo, conforme arrazoado da Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco que atuou como amicus curiae”. Assim, o caso Xukuru, que antes era pouco referenciado no sistema de justiça brasileiro, hoje aparece como parâmetro para o controle da convencionalidade[3] que o STF precisa realizar a fim de não se avançar a tese do marco temporal, que anula o direito dos povos indígenas.

 

A professora Flavianne, comentando a fala do Ministro, ressaltou: “(...) nós suscitamos expressamente o controle de convencionalidade com base no caso do povo Xukuru, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, para derrubar a tese do marco temporal. Foi um avanço muito significativo na fundamentação dos votos. Ainda é preciso avançar muito, mas já temos uma abertura de esperança com o voto do Ministro Barroso para uma proteção mais efetiva dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Ela também chamou atenção para o fato da decisão da Corte IDH ser vinculante para juízes e para toda a burocracia brasileira e convidou a população a continuar a cobrar por “esse compromisso nacional e internacional do Estado para a defesa dos povos indígenas, que são os verdadeiros protagonistas dessa luta”.

 

Conforme observado, o aSIDH tem se destacado como uma experiência singular de Clínica Jurídica, combinando extensão, pesquisa-ação e uma abordagem inovadora na área dos direitos humanos. Com a participação ativa dos alunos de graduação, pós-graduação e membros da sociedade civil, a ação tem promovido uma perspectiva interdisciplinar do Direito, aplicando-o fora das salas de aula e aproximando-o das questões locais. O projeto tem desempenhado um papel crucial na proteção dos direitos de grupos socialmente vulneráveis ao longo de uma década de atuação, chegando a ser referenciados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, apontando academicamente a demora do Brasil em aplicar o caso do Xukuru como parâmetro de controle de convencionalidade.

 

O programa de extensão da UFPE ainda fez o primeiro trabalho levando o caso Xukuru como parâmetro para o direito comparado decolonial[4] para se repensar a propriedade coletiva, sendo referenciado como bibliografia relevante pelo Instituto Max Planck de Direito Privado e Direito Comparado[5] em Hamburgo, na Alemanha. Ademais, a pesquisa acadêmica da professora Flavianne Nóbrega foi citada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos[6], que ressaltou a demora de o Judiciário do Brasil aplicar o caso do Xukuru como parâmetro de controle de convencionalidade.

 

Hoje, dia 20 de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal, retoma julgamento de repercussão geral para o Brasil todo, com potencial de repercutir na decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que tem julgamento em andamento sobre um pedido de reintegração de posse de uma área de 300 hectares em território ancestral do povo Xukuru, a aldeia Caípe, em Pesqueira (PE). Trata-se de um caso que envolve a tese do marco temporal e a possibilidade de aplicação expressa do controle de convencionalidade com base na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso povo indígena Xukuru versus Brasil. O Judiciário está juridicamente vinculado à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em um dos votos que abriu divergência pelo controle de convencionalidade, há referência ao dossiê temático  organizado pela equipe do aSIDH, e publicado pela revista qualis A1 Direito e Praxis[7]Diga ao povo e às cortes que avancem: eficácia e impactos do caso do Povo Indígena Xukuru v. Brasil, que trata especificamente do caso do Aldeia Caípe e do impacto e eficácia da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

 

O livro Transformando vítimas em protagonistas: uma experiência da extensão universitária aSIDH, publicado pela Editora UFPE e escrito pela coordenadora do projeto, traz em seus capítulos a contextualização da decisão internacional contra o Brasil no caso dos povos indígenas, a criminalização enfrentada pelo povo Xukuru; além de toda a explicação de como se desenvolveu a construção do amicus curiae do projeto de extensão aSIDH da UFPE, que questionou o marco temporal no Supremo Tribunal Federal. Nesta obra, também são relatadas a tentativa de silenciamento de contribuições do projeto e a reafirmação do papel da Universidade Pública, com a missão de qualificar o debate no julgamento da Suprema Corte. A contribuição histórica do projeto, neste caso de repercussão geral no Supremo, já tinha sido confirmada anteriormente na decisão do Ministro Fachin que admitiu a extensão aSIDH da UFPE como amicus curiae, pelo trabalho sério e científico de impacto social dos projetos coordenados pela professora Flavianne Nóbrega.

 

(Editora UFPE, 2022)

Capa do e-book Transformando vítimas em Protagonistas, do projeto de extensão universitária aSIDH, da UFPE

 

 

Assim, a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura apoia projetos que trabalham pelos direitos das minorias e reforça a importância da visibilidade e consequente participação destas na sociedade. Para conhecer mais sobre a causa e o projeto, confira o e-book no site da editora.

 

[1] “Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição”. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/966618-o-que-e-marco-temporal-e-quais-os-argumentos-favoraveis-e-contrarios/.

 

[2]Amicus curiae (amigo da corte) é uma expressão latina utilizada para designar o terceiro que ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador”. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/22082021-Os-amigos-da-corte-requisitos-para-admissao--funcoes-e-limites--segundo-a-jurisprudencia-do-STJ.aspx.

 

[3] “Além da matéria de lei poder ser desafiada pela Constituição, temos de modo similar ao controle de constitucionalidade o chamado controle de convencionalidade, que tem por parâmetro as convenções internacionais de direitos humanos e a jurisprudência firmada pelas cortes regionais de direitos humanos, no caso, a Corte IDH. Verifica-se, na prática, uma vinculação não apenas moral, mas também jurídica, de acatamento das decisões da corte regional, tendo em vista que o descumprimento dos tratados e diretivas da Corte IDH impõe ao Estado o reconhecimento de sua responsabilidade internacional, em quaisquer de seus três poderes” (p.119 do livro Transformando vítimas em protagonistas: Uma experiência da extensão universitária aSIDH).

[5] https://www.mpipriv.de/1599004/decolonial-publications

[6]https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/2023/Impactos-CIDH-compendio-articulos-academicos.pdf

Data da última modificação: 20/09/2023, 09:33