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Banco de horas afeta qualidade de vida do trabalhador e jornada de trabalho

A monografia é de autoria da então graduanda Ísis Freitas de Oliveira, hoje bacharel em Direito

Por Ellen Tavares


Visando aumentar a competitividade no mercado, reduzindo custos e aumentando a produtividade, as empresas utilizam o banco de horas, ou compensação anual da jornada de trabalho, como um mecanismo de gestão. O método permite que o empregado trabalhe mais de oito horas em um dia, até o limitede dez horas diárias, e 44 horas semanais, sem que receba adicional de hora extra, desde que estas horas trabalhadas em excesso sejam devidamente compensadas no prazo máximo de um ano. Todavia, existem aspectos nesse procedimento que afetam a remuneração do trabalhador, sua jornada de trabalho e de não trabalho, o direito ao lazer e convívio social.

Considerando temas relacionados ao direito à dignidade, ao lazer, dano existencial, remuneração, alteração na jornada de trabalho, limitação à sobrejornada, requisitos da compensação de jornada anual e legitimidade sindical, a então graduanda Ísis Freitas de Oliveira, hoje bacharel em Direito, apresentou a monografia final de curso “Banco de horas: fonte de perda salarial e dano existencial” à Faculdade de Direito do Recife (FDR), do Centro de Ciências Jurídicas da UFPE. No trabalho, foram analisados os impactos da instituição do banco de horas como mecanismo de flexibilização da jornada de trabalho. A pesquisa apontou caminhos para que a compensação de jornada anual verdadeiramente contemple os anseios de empregadores e empregados, como pacto voluntariamente firmado entre as partes. 

O trabalho, orientado pela professora Eneida Melo Correia de Araújo, da UFPE, e juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 6º Região, explanou sobre a flexibilização da jornada de trabalho, evidenciando que a duração dessa jornada, além da dimensão financeira, está intrinsecamente relacionada à saúde e à segurança do trabalhador, bem como ao direito ao convívio social e outras atividades não voltadas ao trabalho. O banco de horas foi analisado neste contexto, somado ao avanço social e conquistas do Direito do Trabalho. “O Direito trabalhista é, antes de tudo, uma ferramenta jurídica de promoção da dignidade humana por meio da proteção do trabalhador”, diz Ísis. Ela acrescenta: “Este direito também fomenta a economia com o fim de promover e manter o emprego; todavia, sem descuidar da proteção do trabalhador que, detentor apenas de sua força de trabalho, carece de mecanismos de proteção e promoção da sua dignidade.”

De acordo com a monografia, se por um lado o controle da jornada de trabalho está atrelado aos interesses do capital, por outro, o controle e a proteção das normas que regulamentam a jornada estão voltadas para as necessidades físicas e sociais dos trabalhadores. Entretanto, aponta a autora, “uma análise do cotidiano das empresas permite observar que as organizações que adotam os acordos de compensação de jornada anual, também chamado de banco de horas, assumem uma postura de exposição dos empregados a sobrejornadas excessivas, motivadas pela inexigibilidade de remuneração das horas extras”. Como aponta o trabalho de conclusão da graduação, a Constituição Federal, no art. 7º, inciso XIII, garante o limite da jornada de trabalho de oito horas por dia e 44 horas por semana, além de autorizar a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo, assim como o sistema de compensação de horas sem estabelecer seus limites, deixando tal encargo às partes que irão pactuar o acordo de compensação.

Segundo a pesquisa, o trabalhador, ao dispor sua força de trabalho, tem como maior objetivo o recebimento da remuneração das horas trabalhadas. Somente a partir da remuneração justa é que ele pode ter acesso a mecanismos de ascensão social e a bens materiais. De modo que toda e qualquer alteração da forma de remuneração do trabalhador tem implicações imediatas, pois ao mesmo tempo que possibilita a inserção social do trabalhador, precisa dispor tempo livre ao empregado para aplicá-lo conforme a sua necessidade e conveniência. Como conclusão, a pesquisa ressalta que o banco de horas deve ser medida excepcional e temporária, por haver implicações envolvendo a flexibilização e a conseguinte perda salarial com aumento da jornada de trabalho. “A compensação de jornada anual é apropriada a situações de dificuldade econômico-financeira, quando não há medida mais branda e desde que se estabeleça alguma contrapartida para os trabalhadores, como garantia de emprego e a possibilidade de definição conjunta dos critérios para concessão da folga compensatória; observando, desta forma, o princípio da proporcionalidade em suas três dimensões (adequação, necessidade e proporcionalidade) e o princípio da proteção do trabalhador”, assegura a autora.

Em síntese, a monografia avalia que compensação de jornada anual, quando utilizada em momentos de crises financeiras, tem como objetivo salvaguardar os postos de trabalho e empregos, entretanto, não deve ser utilizada como ferramenta de gestão de mão de obra e gestão financeira das empresas, que, por vezes, estabelecem regras híbridas para concessão das folgas - tais como realização de horas extras em conjunto com o alcance de metas. Dessa forma, sugere o estudo, “deve-se preservar o direito à saúde e segurança no trabalho, assim como respeitar os limites legais da jornada de trabalho em consonância com ditames da Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a Constituição Federal/88”. 

Monografia baseia-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos

No aspecto da flexibilização da jornada de trabalho, frente à dignidade do trabalhador, a monografia “Banco de horas: fonte de perda salarial e dano existencial” destacou as garantias asseguradas pelos artigos XXVIII e XXIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos: 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Segundo descreve a autora do estudo, Ísis Freitas de Oliveira, o percurso da histórica luta pela delimitação da jornada de trabalho foi árduo. Uma análise nessa linha do tempo revela que a luta orientou-se no sentido de sua redução para ampliação do tempo livre e, no Brasil, a flexibilização dos horários e a erosão da fronteira entre tempo de trabalho e tempo livre têm se firmado como tendência na forma de gestão da mão de obra, cada vez mais alienada no processo produtivo. “Felizmente, ultrapassamos a época em que o trabalho era a razão de ser de empregados em minerações e indústrias - períodos em que as jornadas de trabalho não sofriam regulação e sua medida dava-se em função do quantum suportável pelo trabalhador”, avalia.

Mais informações
Centro de Ciências Jurídicas – Faculdade de Direito do Recife (FDR) 
(81) 2126.7870
escolaridadefdr@gmail.com

Ísis Freitas de Oliveira

isisfreitas@gmail.com 

Data da última modificação: 27/04/2018, 17:46