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Dinâmica inicial da transmissão e controle da COVID-19: um estudo de modelagem matemática

Em um estudo combinou-se um modelo matemático de transmissão da SARS-CoV-2 com quatro conjuntos de dados de dentro e fora de Wuhan, na China, estimando como a transmissão do novo coronavírus variou na cidade entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. As estimativas foram utilizadas para avaliar o potencial de ocorrência de transmissão sustentada em locais fora de Wuhan em caso de novas contaminações introduzidas nessas áreas.

Título original: Early dynamics of transmission and control of COVID-19: a mathematical modelling study

Título traduzido: Dinâmica inicial da transmissão e controle da COVID-19: um estudo de modelagem matemática

Autores: Adam J. Kucharski*,Timothy W. Russell*, Charlie Diamond*, Yang Liu*, John Edmunds*, Sebastian Funk*, Rosalind M. Eggo*

*Em nome do grupo de trabalho sobre COVID-19 do Centro de Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas

Projeto Covid-19 e a Matemática das Epidemias - Fazendo a Ponte entre Ciência e Sociedade

Tradução: Danillo Barros de Souza e Jonatas Teodomiro

Síntese: Camila Sousa e Júlia Lyra

Coordenação: Felipe Wergete Cruz

Introdução

Cientistas em todo o mundo têm traçado cenários sobre o avanço da Covid-19 e seus múltiplos impactos. Ainda há muitas lacunas, sobretudo no conhecimento a respeito da dinâmica de transmissão inicial do vírus e na efetividade que as medidas de controle adotadas possuem.

Tendo em vista a importância dessa compreensão para avaliar o potencial de ocorrência de transmissão sustentada em novas áreas de infecção, pesquisadores do Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (London School of Hygiene & Tropical Medicine), no Reino Unido, publicaram um estudo.

Nele, combinou-se um modelo matemático de transmissão da SARS-CoV-2 com quatro conjuntos de dados de dentro e fora de Wuhan, na China, estimando como a transmissão do novo coronavírus variou na cidade entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. As estimativas foram utilizadas para avaliar o potencial de ocorrência de transmissão sustentada em locais fora de Wuhan em caso de novas contaminações introduzidas nessas áreas.

Destrinchando

O estudo associou um modelo estocástico (modelo matemático cujas variáveis respondem à uma distribuição específica) de transmissão com dados sobre os casos da doença em Wuhan e fora dela - mas originados na cidade chinesa para estimar como a transmissão variou. No modelo, os indivíduos foram divididos em quatro classes de infecção: suscetíveis, expostos (mas ainda não infecciosos), infectados e removidos (isto é, isolados, recuperados, ou não-infecciosos).

Figura 1 - Estrutura do modelo: A população é dividida nas seguintes quatro classes: suscetíveis, expostos (mas não sintomáticos ainda), infectado (e sintomático) e removido (isolado, recuperado ou não infeccioso). Uma fração dos indivíduos expostos viajam e são eventualmente detectados no seu país de destino.

O modelo considera ainda dois atrasos: o do começo dos sintomas e o do paciente reportar os casos. O estudo também incorpora a incerteza em casos em observação, através de um modelo de Poisson sobre novos casos sintomáticos.

Uma vez expostos à infecção os indivíduos que viajaram internacionalmente, foi presumido que a probabilidade dos casos serem exportados de Wuhan para um outro país depende:

1 - Do número de casos no local;

2 - Do número de pessoas que viajam para fora;

3 - Da conectividade relativa de diferentes países;

4 - Da probabilidade relativa de se reportar um caso fora de Wuhan para diferenciar detecção, definição e reporte de casos dentro e fora dali;

5 - Do maior risco de exportação de casos da Covid-19 por 20 países mais próximos da China.

Em cima dessas estimativas, calculou-se a probabilidade de novos casos da Covid-19 gerarem surtos em outros áreas. Para estimar a dinâmica inicial de transmissão somente em Wuhan, um modelo de transmissão estocástico foi conjugado a múltiplos conjuntos de dados disponíveis publicamente sobre os casos locais e casos exportados de infecção. Os quatro conjuntos de dados utilizados foram:

- Número diário de novos casos internacionais exportados com data de início até 26 de janeiro;

- Número de casos diários de novos casos em Wuhan sem exposição ao mercado com casos iniciais entre 01 de dezembro de 2019 e 01 de janeiro de 2020;

- Número de casos diários na China com casos iniciais entre 29 de dezembro de 2019 e 23 de janeiro de 2020;

- Proporção de passageiros infectados em voos evacuados entre 29 de janeiro de 2020 e 04 de fevereiro de 2020.

Notas explicativas + gráficos

A pesquisa estimou que o número de reprodução (Rt) do vírus variou durante janeiro de 2020 com valores médios entre 1.6 e 2.6 no período de 01 a 23 de janeiro de 2020, data de início das restrições de viagem na Índia (Figura 2). Aferiu-se também um declínio no Rt no final do mês, de 2.35 no dia 16 até 1.05 no dia 31, uma semana antes das restrições.

Figura 2: Dinâmica da transmissão em Wuhan, aproximada até 11 de fevereiro de 2020

O modelo reproduziu o padrão temporal observado nos casos dentro de Wuhan e casos exportados internacionalmente. Nele, foi capturado o crescimento exponencial em casos que os sintomas se iniciaram no início de janeiro, o número crescente de casos exportados com início de sintomas entre 15 de janeiro e 23 de janeiro de 2020 e a prevalência de infecções medidas nos dez voos evacuados de Wuhan para outros sete países.

Entre os principais achados do estudo, está a estimativa de que 94.8% da população de Wuhan ainda era suscetível em 31 de janeiro de 2020 (Figura 2). Os resultados sugerem, ainda, que havia dez vezes mais casos sintomáticos em Wuhan no fim de janeiro do que casos reportados como confirmados (Figura 2), mas o modelo não previu a desaceleração no crescimento dos casos que foi observada no começo de fevereiro.

A modelagem também pôde reproduzir o padrão de casos exportados de Wuhan confirmados. Descobriu-se que os casos exportados, confirmados e estimados, entre os 20 países mais conectados com a China, geralmente se correlacionavam. Os EUA e a Austrália foram pontos fora da curva, tendo mais casos confirmados reportados com histórico de viagem a Wuhan do que o esperado no modelo (Figura 2).

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Data da última modificação: 02/10/2020, 22:02