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Comitê Científico - Consórcio Nordeste Subcomitê de Epidemiologia | Pandemia da Covid-19 no Nordeste do Brasil: Situação Atual e Recomendações

Entre os objetivos deste primeiro relatório está o de analisar e discutir as diferenças e similaridades entre os Estados do Nordeste quanto às medidas de distanciamento social implementadas e tentar compreender como essas diferenças podem ajudar a explicar os indicadores epidemiológicos da epidemia na região.

A Região Nordeste do país é composta de 9 estados e 1793 municípios. A Região tem área aproximada de 1.5 milhões de km2 e 53 milhões de habitantes. De maneira geral, os seus indicadores sociais estão entre os mais baixos do país, além de ter níveis de saúde bastante precários, medidos por diferentes indicadores. Na última eleição presidencial foi a região do país em que o Presidente eleito recebeu o mais baixo percentual de votação. Nos desdobramentos políticos posteriores ao processo eleitoral, no sentido de coordenar os interesses e ações políticas regionais no enfrentamento com o Governo Federal, os Governadores da Região decidiram organizar o denominado Consórcio Nordeste. Com o aparecimento dos primeiros casos de COVID-19 na região, os Governadores passaram a usar o Consórcio para articular as ações regionais com relação à pandemia. Uma destas ações foi a criação de um Comitê Científico, com o objetivo de assessorar o Consórcio em questões relacionadas com a Pandemia, suprindo os governadores com evidências científicas que informassem e que tornassem mais efetivas as suas decisões e ações políticas e técnicas.

O comitê foi organizado em 9 subcomitês, sendo um deles o Subcomitê 9: Epidemiologia, modelos matemáticos e medidas de enfrentamento. Considerando a grande diversidade de temas deste subcomitê, o mesmo foi organizado em dois grupos, o de epidemiologia e o de modelos matemáticos. O SC de epidemiologia é composto por quatro membros do Comitê (Mauricio Barreto, Sinval Brandão Filho, Antônio Tanta Lima e Adélia Pinheiro) ao qual se agregou um grupo de epidemiologistas da região.

O SC de Epidemiologia focou sua ação em três grandes objetivos: 1) entender as diferenças e similaridades da epidemia nos diversos Estados da região; 2) Definir parâmetros para identificar, com maior precisão, o momento para suspensão das medidas de distanciamento social e as medidas necessárias para sua implementação; 3) verificar se a situação epidemiológica atual da epidemia permite que a flexibilização do distanciamento social seja iniciada.

Entre os objetivos deste primeiro relatório está o de analisar e discutir as diferenças e similaridades entre os Estados do Nordeste quanto às medidas de distanciamento social implementadas e tentar compreender como essas diferenças podem ajudar a explicar os indicadores epidemiológicos da epidemia na região. Para isso, foram extraídos dados das seguintes fontes: 1) dados demográficos e socioeconômicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); 2) decretos federais e estaduais sobre as as medidas de controle específicas para a COVID-19, sendo consideradas a data de vigência como o início do decreto; 3) número de casos e óbitos pela COVID-19 e outras Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) provenientes do Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais (Cotta 2020, Rede CoVida 2020) e Sistema Infogripe (Fiocruz, 2020); 4) informações sobre chegada e saída de voos nacionais e internacionais da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) (Brasil, 2020); e 5) dados de mobilidade do Google Mobility Report (Google LCC 2020) e do índice de isolamento social da agência Inloco (2020 Inloco). Para a análise dos voos, foram extraídos dados de todos os pousos realizados nos aeroportos das nove capitais nordestinas (Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal, Fortaleza, Teresina e São Luís) nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2020. Foram considerados voos oriundos de outros países, mas também dos principais aeroportos de São Paulo e do Rio de Janeiro, primeiros epicentros da pandemia no Brasil. Foram apresentados dados do número de pousos e de passageiros e da razão entre voos e passageiros.

O número de reprodução efetivo ao longo do tempo (R), o parâmetro de transmissão (Beta) e as curvas observada e predita do número acumulado de casos foram calculados em modelo compartimental, que subdivide a população entre suscetíveis, expostos (indivíduos em período de incubação), infectados assintomáticos, infectados sintomáticos e recuperados (OLIVEIRA et al., 2020).

Os dados coletados foram sumarizados na forma de tabelas e gráficos. Foi realizada análise de comparação controlada entre os diferentes estados no Nordeste para discussão das diferenças e similaridades entre os estados.

O segundo objetivo foi definir critérios e indicadores que possam orientar as decisões dos governos estaduais em relação à flexibilização do distanciamento social. No terceiro objetivo, aplicando-se esses indicadores à situação atual da epidemia nos estados nordestinos, foi possível constatar que, no momento, nenhum dos indicadores permite recomendar o início da flexibilização do distanciamento social.

A pandemia da COVID-19 na Região Nordeste

A primeira notificação de um caso da COVID-19, na região Nordeste, ocorreu na Bahia, em 6 de março de 2020, nove dias após a confirmação do primeiro caso do Brasil, em 26/02/2020. Tratava-se de um caso importado, uma mulher de 34 anos, residente na cidade de Feira de Santana (localizada a 109 km de Salvador), que havia retornado de uma viagem à Itália, em 25 de fevereiro, com passagens por Milão e Roma. O segundo caso foi notificado em Alagoas, em um homem que também havia chegado de uma viagem à Itália. Pernambuco foi o terceiro estado a notificar seu primeiro caso da COVID-19, no dia 12 de março. Entretanto, retrospectivamente, o Ceará descobriu casos confirmados já no mês de janeiro. Na semana epidemiológica (SE) 1 deste mês em 2020, o estado já tinha 2 municípios com casos confirmados da COVID-19; na semana 6, eram 10 municípios; e na semana 12, quase dos municípios já tinham casos confirmados da COVID-19. O resultado desta investigação não só faz do Ceará o primeiro estado a ter casos na região, como pode explicar a intensidade da epidemia nesse estado. Considerando que as primeiras medidas de distanciamento social ocorreram logo após a identificação do que se supunha serem os primeiros casos, a partir de 15 de março, o Ceará teve uma janela de cerca de 70 dias, quando pessoas infectadas puderam transmitir para outras pessoas com o número básico de reprodução (Ro) variando de 2,7 a 4, antes que qualquer medida não medicamentosa tivesse sido implementada.

A Tabela 1 mostra os principais aspectos da epidemia da COVID-10 nos 9 estados da região. O Estado onde foi observada a menor diferença entre o primeiro e o quinquagésimo e entre o primeiro e o centésimo caso foi o Maranhão. A maior incidência da COVID-19 entre os nove estados do Nordeste também foi registrada no Ceará (598,8/100.000 habitantes), seguido pelo Maranhão (539,6/100.000) e Pernambuco (371,5/100.000). O primeiro óbito da região ocorreu em Pernambuco, em 25 de março. Até o dia 2 de junho, a razão entre o número de óbitos e o número de casos confirmados notificados pela COVID19, foi mais alta em Pernambuco (8,3%). A taxa de mortalidade pela COVID-19 foi maior 7 no Ceará (38,4/100.000) e em Pernambuco (30,7/100,000). Em contraste, na Bahia, a razão entre o número de óbitos e o número de casos confirmados notificados pela COVID-19 foi de 3,4% e a taxa de mortalidade pela COVID-19 foi de 4,9/100.000. A incidência de SRAG no Ceará atingiu 82,8/100.000, sendo de 50,8/100.000 em Pernambuco e de 34,1/100.000 no Piauí, indicando que há grande quantidade de casos da COVID-19 que não estão sendo registrados como tal nesses estados, mesmo considerando a grande subnotificação e atraso de notificação de casos de SRAG (BASTOS et al., 2020).

A epidemia já alcançou mais de 90% dos municípios em quase todos os estados, sendo exceções a Bahia, onde, até agora, a doença atingiu 78,9% dos municípios e o Piauí, que tem 72,7% dos municípios atingidos pela COVID-19. O Ceará foi o estado nordestino que realizou mais testes a cada 100000 habitantes (1427,7), à frente de Sergipe (901,0) e Maranhão (862,3). A relação entre o número de testes realizados e o número de casos positivos foi maior no Rio Grande do Norte (3,1) e na Bahia (2,8), e menor em Pernambuco (1,2) e Maranhão (1,6). Essas relações baixas indicam que estão sendo testados quase que somente pessoas com alta probabilidade da doença, ou seja, os casos mais graves (Tabela 1). Região Nordeste: contexto de grandes desigualdades, favorável à difusão da pandemia A região Nordeste é uma das regiões mais pobres do país e costuma ser apresentada como um contexto homogêneo. Entretanto, não é uma região territorialmente uniforme, mas apresenta diversidade em vários indicadores socioeconômico e demográficos. A Tabela 2 apresenta alguns desses indicadores nos nove estados do Nordeste que podem contribuir para a explicação, pelo menos parcial, de algumas diferenças observadas na dinâmica da epidemia da COVID-19 nessa região. A população dos estados varia de 2.298.696 habitantes, em Sergipe, a 14.873.064 habitantes na Bahia. Sergipe e Maranhão apresentam os menores percentuais de população idosa, com 60 anos ou mais. A densidade demográfica também mostra importantes diferenças, indo de 12,4 hab/km2, no Piauí, a 112,3 hab/km2, em Alagoas. O Maranhão 8 apresenta o percentual de quase 10% de adensamento excessivo de pessoas por quarto, que representa quase 2,5 vezes a mais que Bahia e Paraíba (Tabela 2). No geral, quatro estados se destacam pela magnitude da epidemia: Ceará, Maranhão, Pernambuco e Sergipe. Esses estados compartilham alguns indicadores. Por exemplo, Pernambuco e Sergipe apresentam as mais altas densidades demográficas, característica não compartilhada com a maioria dos outros estados; Maranhão e Ceará, por sua vez, compartilham os maiores percentuais de adensamento excessivo de pessoas por quarto (Tabela 2).

 

Clique aqui para ler o relatório na íntegra. 

 

Data da última modificação: 08/07/2020, 15:45