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Imprensa local omitiu abordagem social sobre impactos das obras da Copa do Mundo

As intervenções realizadas a título de infraestrutura para o Mundial de Futebol foram enfocadas, sobretudo, pelo aspecto do investimento

Por Camila Sousa

Ao analisar a divulgação da Copa do Mundo de Futebol, o mais recente megaevento ocorrido em terras brasileiras, a dissertação “Os silêncios, os silenciamentos e a cobertura midiática da Copa do Mundo em Pernambuco”, de autoria do doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela UFPE (PPGCOM) Eduardo Baptista Amorim, constatou que “a mídia corporativa local ignorou a existência não só dos moradores próximos da Arena de Pernambuco, em cidades como Camaragibe e São Lourenço da Mata, como também a situação de extrema vulnerabilidade em que eles se encontraram após o processo de remodelagem urbana provocada pela construção do estádio e das obras de mobilidade na região metropolitana”.

A partir da análise de mais de cem reportagens, o pesquisador concluiu que as obras da Copa eram tratadas por parte da mídia corporativa pernambucana, predominantemente, como “investimentos”, como se os impactos por elas gerados não existissem. Eduardo Amorim aponta que esta forma de silenciamento aconteceu em um momento crucial para a mídia, uma vez que “a Copa do Mundo foi realizada com irrestrito apoio dos governos federal, estadual e municipais (de Camaragibe e do Recife), das empresas envolvidas e da imprensa que, majoritariamente admitiu o discurso gerado pelo poder público como o mais relevante.” 

A dissertação registra que dados divulgados no fim de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) mostraram os gastos nas obras do Mundial ficaram em torno de R$ 25,5 bilhões. Deste montante, R$ 7 bilhões teriam sido gastos em mobilidade urbana e as obras de entorno dos estádios custaram R$ 996 milhões. Mesmo assim, segundo o autor, essas intervenções não foram exploradas pela imprensa à época do Mundial. “Em Pernambuco, inclusive, chegou a ser efetivada pela Assembleia Legislativa uma doação de terreno de 200 hectares para os empresários responsáveis pelo estádio, que deveriam construir nessa área a chamada Cidade da Copa, o que pouco foi explorado pela mídia”, atesta. 

Segundo contextualiza a pesquisa, o Brasil recebeu alguns megaeventos quando vivia um período de crescimento econômico baseado em megaempreendimentos. Entretanto, cada um deles veio associado a questões ambientais e sociais. A Hidrelétrica de Belo Monte, o Porto de Suape, a transposição do São Francisco e a Transnordestina são algumas destas grandes obras cujas bases de suas existências são acompanhadas sob a aura da modernidade, mas que por trás de tamanho glamour existem profundas lacunas sociais e políticas deixadas de lado, sustentadas por um discurso baseado na necessidade de desenvolvimento, enfatiza o trabalho. 

Para Eduardo Amorim, o evento-tema em análise é uma pauta que, constantemente utilizada para justificar mudanças na organização e urbanização das cidades em que foram realizadas suas partidas, deveria prezar pela qualidade de vida e dignidade, sobretudo, daqueles que foram afetados diretamente pela sua execução, “uma vez que mais de 2.000 famílias foram removidas das suas moradias devido às obras de infraestrutura local”. O trabalho analisou reportagens de televisão, de internet e da mídia impressa pernambucana, se enquadrando na perspectiva da arqueologia do saber proposta por Foucault, na condição de uma revisão histórica do papel da mídia na construção social. 

PLANEJAMENTO | O projeto de pesquisa, orientado pela professora Carolina Dantas Figueiredo, teve como percurso metodológico a exposição fotográfica “Os silêncios da cobertura da Copa em Pernambuco”,a discussão de ações como a campanha “Nós valemos mais”, o funcionamento do blog “Mídia Capoeira”, este editado pelo autor deste texto e pelo jornalista e morador de São Lourenço da Mata, André Justino. “A evidência em discutir o tema se deu porque a Copa do Mundo de 2014 foi responsável por uma das maiores audiências da televisão mundial de todos os tempos, com cerca de 3 bilhões de expectadores”, explica Amorim.

Trazer à tona a discussão sobre os silêncios e silenciamentos na Copa do Mundo é, na visão de Eduardo Amorim, necessário para mostrar, especialmente aos acadêmicos, que não se pode lutar por uma democracia plena sem uma dose forte de luta pelo Direito à Comunicação. Através deste olhar, o trabalho focou a realidade do Loteamento São Francisco, em Camaragibe, um dos alvos das remoções, demonstrando uma relação entre as violações ao Direito Humano à Comunicação e uma série de outras violações que são facilitadas pela atuação da nossa mídia, inclusive a da moradia.   

Na análise do autor, os removidos do loteamento estudado tiveram dificuldade em entender o processo de remoção das suas moradias, “o que seria um passo importante para transformar a indignação pelas perdas pessoais e coletivas em luta”. Para Amorim, que é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, “os problemas comunicacionais facilitam a manipulação do público em questões relevantes, como o Direito à Cidade em um pequeno bairro como o Loteamento São Francisco”. Em 2018, o autor deu início, também sob orientação de Carolina Dantas Figueiredo à pesquisa de doutorado “Os silêncios e silenciamentos no ambiente digital”, em que pretende focar seus estudos na questão do semiárido, no tema dos recursos hídricos e na discussão das mudanças climáticas. 

Mais informações
Pós Graduação em Comunicação (PPGCOM UFPE)
(81) 2126.8960
ppgcomufpe@yahoo.com.br

Eduardo Baptista Amorim

eamorim@gmail.com
 

Date of last modification: 11/09/2018, 15:42