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Professora da UFPE lança livro sobre a relação dança e guerra nos grupos de caboclinhos do Recife e de Goiana

Haverá dois eventos de lançamento, na Várzea, no Recife e em Goiana, com a participação de grupos de caboclinhos estudados

Da assessoria do evento

O livro “Avança Caboclo!”, de autoria da pesquisadora e professora Maria Acselrad, do curso de Dança da UFPE, é um convite a entrar na gira da Antropologia a partir da dança de guerra ou guerra dançada dos caboclinhos de Goiana, na Zona da Mata Norte do estado – agremiações culturais que, desde 2016, conquistaram o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, outorgado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A publicação, lançada pela Editora UFPE, e incentivada pelo Funcultura/Governo de Pernambuco é uma adaptação da tese de doutorado de Maria Acselrad, intitulada “Dançando contra o Estado: a relação dança e guerra nas manobras dos caboclinhos de Goiana/Pernambuco”, desenvolvida entre os anos de 2015 e 2019, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/PPGSA-UFRJ, no Rio de Janeiro.

Para marcar o lançamento do livro, será promovida uma noite de autógrafos no Café Adupé, no bairro da Várzea, no próximo dia 7, a partir das 20h. O evento vai contar ainda com a apresentação dos grupos Caboclinho União Sete Flexas de Goiana, Coco da Yá e Regente Joaquim. Também haverá lançamento do livro em Goiana, no dia 10 deste mês, a partir das 16h, no terreiro de Ile Asé Oyá Onira, Nova Goiana. O evento contará com a presença de todos os grupos de caboclinho que participaram da pesquisa. O livro será vendido nos locais pelo valor de R$ 40,00. 20% da tiragem da publicação serão doados a estes grupos de caboclinho.

Foto: Ernesto Rodrigues

Manobra do Caboclinho Carijós de Goiana, em apresentação no Carnaval do Recife

Transformada num livro de 378 páginas, acompanhado de um rico caderno de imagens, com registros de ensaios, apresentações, rituais de preparação e toques de jurema, a tese é uma etnografia que compreende as relações de aliança e inimizade que definem os caboclinhos e estende a pesquisa até a jurema, complexo religioso de matriz afroindígena que permitiu acessar forças de uma dimensão invisível, que também dança. A pesquisa, no entanto, começou a ser elaborada ainda em 2011, quando a autora integrava uma equipe de pesquisadores da Associação Respeita Januário/ARJ, responsável, na ocasião, por inventariar o caboclinho, com a finalidade de propor a sua patrimonialização, junto ao Iphan. 

Responsável por desenvolver descrições e análises sobre as suas danças, Maria Acselrad deixou o projeto após um dos grupos acompanhados por ela, a Tribo de Índios Canindé do Recife, fundada em 1889, pedir o seu desligamento do inventário. Eles não queriam mais participar do projeto, pois não compreendiam como essa política poderia, de fato, vir a contemplá-los.

Após a saída da Tribo de Índios Canindé do Recife, surgiram os seguintes questionamentos: “se os caboclinhos, de acordo com os registros, encontram-se em atuação há mais de um século, em Pernambuco, não é graças ao Estado. E, se estão aí até hoje, provavelmente, apesar dele é porque deve haver uma força que os move. Talvez, contra o Estado. Afinal, o que os mantém vivos e atuantes, diante de tantas adversidades? Até que ponto a compreensão dos seus processos de ruptura não contribui para o entendimento da continuidade dessas manifestações populares?”, questiona Maria Acselrad na introdução de Avança Caboclo! Assim, nasceu a sua pesquisa.

Segundo ela, o estudo se deu em duas etapas. A primeira foi uma “fase preliminar”, onde a autora pode conviver com os integrantes da Tribo Canindé do Recife, na Bomba do Hemetério, na Zona Norte da cidade, onde dançou por sete carnavais, na época sob a liderança da saudosa Juracy Simões. A segunda, já no doutorado, se deu entre disciplinas, trabalho de campo, realização de entrevistas, sistematização do material reunido, consulta de acervos pessoais, arquivos e bibliotecas públicas, exercícios de escrita e criação e participação em grupos de pesquisa.

PESQUISA - Todos esses anos de pesquisa e intensa convivência com os grupos de caboclinho são descritos pela professora ao longo de cinco capítulos. No primeiro capítulo, ela se dedica a compor uma espécie de paisagem coreográfica para a discussão; no segundo, ganha lugar uma análise etnocoreológica das manobras dos caboclinhos, observadas as diferenças entre ensaios e apresentações, durante o Carnaval; no terceiro, o tema é o ritual da caçada do bode, que acontece apenas em Goiana, no período que antecede os festejos de momo; no quarto capítulo, é discutida a relação dos caboclinhos com a jurema; no quinto capítulo, por fim, são analisados experimentos metodológicos, chamados pela autora de “registros em primeira pessoa”, com o objetivo de testar novos pontos de vista para a realização de uma descrição etnográfica da dança. 

O livro ainda contém um apêndice onde a autora aborda o tema da dança e da guerra, no mundo indígena andino e mexicano, mostrando como um dualismo em perpétuo desiquilíbrio constrói relações entre metades por oposição e enfrentamento, presentificadas no ritual e nas performances dançantes.

“O Carnaval é uma batalha. Na parte invisível, os caboclos não se dão. E eu tenho que trabalhar pra não deixar passar, pra não deixar eles ganhar, pra me livrar. E eu me livro com a dança”, disse em um depoimento seu Nelson, o saudoso Ferreirinha, mestre do Caboclinho União Sete Flexas de Goiana.

Em Goiana, “testemunhei a extrema pobreza, a precariedade e a violência a que estão expostos seus moradores, seja por descaso ou por inoperância do poder público. Lá também me deparei com os fortes laços de amizade que unem os caboclinhos, além do sentimento de disputa que os fortalece, com as táticas de ajuda mútua e a criatividade, decisivas no enfrentamento de parte das dificuldades com as quais são obrigados a lidar”, relata a pesquisadora, sobre o mergulho na cultura dos caboclinhos, ainda na introdução do seu livro.

“Durante o período de campo, pude acompanhar os ensaios de todos os grupos da cidade. Dancei, observei e registrei suas manobras. Visitei suas sedes, conversei com seus dirigentes, puxantes, tocadores, destaques, dançarinos e dançarinas. Trabalhei com eles nos preparativos do Carnaval. Escutei suas histórias de vida. Busquei compreender as relações entre os grupos, e também destes com a jurema. Frequentei terreiros, presenciei celebrações, obrigações e rituais de iniciação. Vi dançarem caboclos, mestres, Exus e Pombagiras. Fumei, bebi, cantei e me abracei com eles. Escutei seus recados. Entrei na gira, e, assim, pude sentir a força da jurema na vida das pessoas”, completa ela sobre a análise etnográfica.

O prefácio, escrito pela antropóloga Els Lagrou, resume a contribuição da obra ao destacar que “o livro marca uma virada na antropologia da dança – na antropologia a partir da dança – por várias razões: pela proposta inovadora de abordar a dança na antropologia, tanto em termos teóricos, ampliando o escopo para a discussão de campos de força e para o movimento em geral, quanto pela proposta metodológica de pensar a antropologia a partir do movimento, de pensar a dança dançando, experimentando com a perspectiva que somente o corpo dançante tem do ambiente em movimento à sua volta”.

Date of last modification: 01/12/2022, 15:13