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Ética e governabilidade

Por Gilson Edmar – vice-reitor da UFPE
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Em princípio, a ética e a governabilidade deveriam ser ações indissociáveis, mas nem sempre isto acontece. Todo governo deve proporcionar meios para que todos se sintam felizes, entretanto nenhuma felicidade é boa ou justa se resulta no alheamento em relação ao mundo de todos. A ética deve ser vista num sentido amplo, ultrapassando os limites dos códigos e entrando no campo do comportamento e do relacionamento.

Segundo Jurandir Freire, “é necessário refletir sobre a moral do espetáculo, que está prevalecendo em nossa sociedade, que estão tornando o entretenimento e a felicidade sensorial os ideais de vida das pessoas. A mais nefasta sequela da moral do espetáculo é fazer-nos crer que nossas vidas cotidianas, nossas obrigações cotidianas, nossas aspirações cotidianas, nossas crenças morais são irrisórias. Isto é fatal. Ou respeitamos nossas escolhas, ou dignificamos nossos esforços ou nos tornamos fantoches supérfluos, espectadores pacíficos da vida espetáculo”.

Ainda Jurandir Freire alerta que “a dissociação entre poder e autoridade foi uma experiência de ditaduras e que democracia com poder e sem autoridade é algo novo, que presenciamos hoje. Os efeitos psicológicos da dissociação entre reconhecimento social e moral ou entre a moral da autoridade e a moral da celebridade são altamente nocivos para todos”.

Estes pensamentos devem estar sempre em mente de quem ocupa algum cargo de direção. Muitas vezes, a pompa do cargo leva o dirigente a praticar uma “moral de espetáculos”, em que só ele próprio e o seu pensamento predominam sobre a comunidade que dirige. Isto faz não partilhar com os outros o seu planejamento, tendo como consequência o incentivo ao culto à pessoa, quando o justo seria o culto à instituição. Isto resulta em democracia com poder e sem autoridade, no pensamento de Jurandir Freire.

A falta de autoridade é representada pela falta de respeito e leva à ausência de um exemplo para os mais novos, ávidos por ter um parâmetro que os conduza no futuro. Este fato remete o nosso raciocínio à ética do cotidiano, que está relacionada à ética do relacionamento.

Entendemos como prática ética da governabilidade alguns princípios fundamentais que atingem a todos os que estão envolvidos no processo. O respeito às desigualdades, serve como base para que se pratique o respeito às decisões colegiadas. Devem ser banidos os outros meios, resquícios do autoritarismo, vigentes numa época, que permitem o veto do detentor do poder. A prática deste modelo configura-se numa pseudodemocracia, em que o poder é centralizado. Deste modo faz com que o dirigente enverede num caminho onde predomina as vaidades, configurando a “moral do espetáculo”.

A descentralização do poder não o enfraquece. A sua prática configura-se num exercício que fortalece a instituição e enaltece o dirigente, pois o cotidiano de uma ética cuja base é a reciprocidade tende a elevar cada vez mais o conceito da governabilidade. Ao assumir responsabilidade, é mais fácil contribuir com seu trabalho, mesmo que não haja concordância em todos os momentos. Mas, é na divergência que podemos alcançar um consenso, altamente desejável num modelo democrático de governo.

O monopólio de grupos no exercício da governabilidade traz práticas espúrias, sendo a maior delas a necessidade da perpetuação no poder. Mesmo que o pensamento se confronte com este projeto político, a atitude autoritária começa a se revelar, quando surgem ameaças, para não quebrar a referida hegemonia.

A gestão participativa tão decantada e não praticada é o modelo que mais benefício traz, ao comprometer um maior número de interessados, não importando coloração política, mas dando prioridade ao compromisso com a instituição.

Negar estes fatos é negar o exercício do poder. Quando dirigentes ou pessoas não concordam em apresentar ou permitir que se torne público pensamentos ou atitudes diversas sobre a instituição, está caracterizada uma atitude não compatível com a democracia. Ainda temos um caminho a percorrer, porém, é preciso ser otimista, para transformar algo que seja benéfico às futuras gerações.

Publicado no Jornal do Commercio na edição do dia 29.04.2010
Date of last modification: 31/10/2016, 10:25

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