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Tempo dedicado por mulheres à saúde social é ignorado pela sociedade

No contexto das epidemias, as ações foram reforçadas com a campanha para eliminação do foco dos mosquitos por meio da “participação cidadã”

Por Larissa Valentim

Ao longo da história, as mulheres quase nunca estiveram em posição de protagonista e, mesmo ocupando cada vez mais espaço no mercado de trabalho, ainda assim são segregadas em postos mais precários, na maioria das vezes sendo impelidas a assumir a atribuição majoritária do trabalho doméstico e de cuidados, sem remuneração. Segundo a doutora em Serviço Social Verônica Maria Ferreira, cotidianamente, a maioria dos serviços de saúde de atenção básica são prestados por mulheres, o que, como defende em sua tese “Apropriação do tempo de trabalho das mulheres nas políticas de saúde e reprodução social: uma análise de suas tendências”, reflete “um elemento de sobrevivência ou reprodução das relações sociais de sexo e de classe e uma mediação estruturante da ação do Estado nas sociedades periféricas”.

Desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE (PPGSS), a pesquisa aponta que é sobre as mulheres que recai o “peso” de “manutenção e cura”; são elas que ocupam quase a totalidade dos acompanhantes nos hospitais e que dão orientações para serviços, políticas sociais e na esfera doméstica. De acordo com o trabalho, mulheres dos setores mais precários da classe trabalhadora desempenham, ainda, várias atividades voltadas à prevenção de doenças provocadas por problemas ambientais e pela precariedade das condições de moradia, cabendo às mesmas a limpeza de esgotos, recolhimento e descarte do lixo doméstico, podendo ainda efetuar a limpeza do entorno de suas residências. “No contexto das epidemias, estas atividades foram reforçadas com a campanha para eliminação do foco dos mosquitos por meio da “participação cidadã” dos indivíduos e direcionada, sobretudo, às donas de casa”, afirma a pesquisadora. 

Orientada pela professora Ana Elizabete Fiúza da Mota, a tese revela que há uma “profunda invisibilização social” não só do tempo, mas do sujeito-mulher. Algumas das entrevistadas para o desenvolvimento do estudo, que pertencem à área da saúde, relatam as “viagens perdidas” ou o “tempo perdido” na busca por atendimento e como essas situações são naturalizadas no seu cotidiano. Ainda de acordo com o trabalho, o tempo social improdutivo deste grupo social é, de alguma maneira, visto como disponível, como uma fonte inesgotável, um “recurso natural”.  Ao analisar as atividades feitas por mulheres, a autora compara a um trabalho de Sísifo, ou interminável, pois as mulheres, principalmente as donas de casa, são responsáveis por serviços que nunca acabam. A autora também comenta as condições insalubres em que alguns postos de saúde geridos pela Prefeitura do Recife se encontram e como isso contribui para esse trabalho interminável.

METODOLOGIA | A pesquisa, realizada na área de Jardim Monte Verde, no bairro do Ibura, buscou analisar o cotidiano de atenção e promoção à saúde, e a mediação do Estado por meio de serviços de atenção básica e das próprias mulheres na provisão da saúde. A primeira etapa do trabalho de campo consistiu na observação do cotidiano dos serviços de saúde e na realização de levantamento das condições socioambientais da localidade, por meio de observação direta, do levantamento de dados secundários do Sistema Único de Saúde (SUS) e de uma roda de conversa realizada com mulheres da comunidade sobre as condições de vida no bairro.

“Parte do trabalho de campo foi realizada de setembro a dezembro de 2016 e consistiu na realização de grupos de discussão com mulheres da localidade atingidas pelo problema de saúde das epidemias, nos quais se buscou apreender os impactos, causas e a mediação dos serviços públicos frente às demandas das mulheres; e a segunda parte nos meses de abril a junho de 2017”, comenta a autora. Para a apreensão da relação entre mulheres e serviços de saúde, Verônica observou o cotidiano dos serviços. A observação do cotidiano do serviço de atenção básica encontrou limites infraestruturais e logísticos.

Mais informações

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS)
(81) 2126.8360
pssocialufpe@yahoo.com.br

Verônica Maria Ferreira
verferreira80@gmail.com

Date of last modification: 28/03/2019, 18:16