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Posicionamento editorial atribuiu segunda abolição como metáfora para definir PEC das Domésticas

Metáforas sistemáticas trabalhistas no discurso jornalístico é o título da pesquisa de Vinícius Nicéas do Nascimento

Por Renata Reynaldo 

O discurso jornalístico tem o poder de escolher palavras e expressões, daí aparecem as metáforas, que orientam o sentido da leitura. Foi trilhando esse breve, porém fértil caminho - palavras > metáfora > sentido - que o mestre e professor de Letras Vinícius Nicéas do Nascimento se deparou com a expressão 'segunda abolição'. Cunhada pelo jornal Correio Braziliense (CB) para 'batizar' a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que regulamentou e ampliou os direitos das empregadas e empregados domésticos, conhecida como também “PEC das Domésticas”, essa metáfora, afirma Vinícius, "foi uma escolha editorial, que fez parte de um posicionamento político do veículo".

Segundo o autor da dissertação "Metáforas sistemáticas trabalhistas no discurso jornalístico", que contou com a orientação da professora Karina Falcone de Azevedo, no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE, há, nos pressupostos da Linguística, uma compreensão de que as metáforas aparecem no discurso cotidiano de maneira diluída e são escolhidas por motivações diversas, mas, no uso jornalístico, por se tratar de um ofício que busca o sentido mais justo da palavra, o recurso metafórico se dá com o objetivo de criar um sentido, uma compreensão própria, específica. "E, como o propósito da metáfora é definir uma coisa em termos de outra, o CB atribuiu o conceito de liberdade e igualdade à PEC das Domésticas", explica.

Além de analisar o conteúdo jornalístico - com base em 55 notícias veiculadas no jornal desde a aprovação da PEC 66/2012, em 27 de março de 2013 - o pesquisador esteve na redação do Correio Braziliense e conversou com os editores das reportagens. Nas matérias investigadas, a expressão metafórica 'segunda abolição' foi utilizada 20 vezes e, alerta Vinícius, "nenhuma escolha lexical é aleatória; as metafóricas orientam o leitor a, no mínimo, considerar uma realidade e o CB encampou essa 'guerra' e abriu as portas para se abordar essa temática com outro olhar". No processo de categorização dos dados, o autor identificou as categorias "discurso oficial do jornal" e "discurso reportado dos atores sociais".

TEORIA | Tendo como embasamento a recente abordagem da Metáfora Sistemática, que parte das premissas de que a metáfora é emergente; surge no discurso naquele momento e de que o uso da metáfora não é apenas linguístico; é afetiva e sociopolítica, o pesquisador identificou quatro metáforas sistemáticas nesta cobertura jornalística, as quais dão conta das relações metafóricas estabelecidas pelo jornal. São elas: "Aprovação da PEC das Domésticas é segunda abolição"; "Cotidiano do empregado doméstico é um regime servil"; "PEC das Domésticas é uma mudança social" e "Ser empregado doméstico no Brasil é ser escravo". 

No decorrer das análises, "que trataram dos aspectos salientados nas elaborações metafóricas, das marcas linguísticas que sustentam a argumentação construída pelas metáforas sistemáticas, da presença de metáforas conceituais na construção do discurso sobre a aprovação da PEC das Domésticas e das relações de vida e trabalho dos empregados domésticos", o autor apreendeu que as quatro metáforas sistemáticas emergentes orientam a produção discursiva sobre o evento e sustentam a elaboração metafórica da segundaabolição, estando interligadas na cadeia discursiva e direcionando a compreensão do trabalho doméstico no Brasil como sendo trabalho escravo.

Ao entender que a expressão metafórica adotada pelo jornal brasiliense influenciou na compreensão do sentido, Vinícius verificou que a estratégia discursiva do evento se coadunava com o que de fato estava a ocorrer. "Linguisticamente e politicamente, o jornal fez um uso acertado da metáfora, tanto que os outros veículos, atestando a pertinência da expressão, com o passar do tempo, passaram a adotar a mesma metáfora", afirma.

Quanto às falas dos trabalhadores e das trabalhadoras domésticas cunhadas nos textos jornalísticos, o pesquisador aponta que "eles se viam com essa alcunha de escravos mesmo" e ainda "no corpo das matérias, verificamos semelhanças entre o universo dos escravos do passado com os atuais: majoritariamente negros".

Mais informações

Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE
(81) 2126.8767
ufpe.pgletras@gmail.com

Vinícius Nicéas do Nascimento
viniciusniceas@hotmail.com

Date of last modification: 09/08/2017, 22:46