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Epidemia da gripe espanhola no Recife transformou forma de pensar a saúde pública

A enfermidade que, em 1918 matou mais de 2000 pessoas na capital trouxe impactos para os campos médico e político do Estado

Por Ellen Tavares

A epidemia da gripe espanhola no Recife em 1918 foi avassaladora, alcançou a marca de mais de 2 mil mortos, trouxe impactos para os campos médico e político, e despertou uma consciência sobre a maior necessidade de atuação do Estado em relação às políticas de saúde pública. A enfermidade, que não deixou nenhuma parte do planeta a salvo, com uma forte presença global ao final do ano da Primeira Guerra Mundial, período em que também marcou presença na capital pernambucana, foi tema da dissertação de mestrado Recife, uma cidade doente: A gripe Espanhola no espaço urbano recifense (1918), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da UFPE por Alexandre Caetano da Silva.

A pesquisa, orientada pelo professor Carlos Alberto Cunha Miranda, buscou recuperar as ações do governo pernambucano frente a uma das mais violentas epidemias mundiais, que não poupou a saúde pública de suas obrigações e procurou criar mecanismos de assistência aos que se encontravam doentes com a gripe espanhola, mesmo que fossem ineficazes no enfrentamento à doença. O estudo também abordou a mobilização da sociedade recifense diante de uma situação de calamidade pública, e observou a reação e ações da medicina diante de uma doença que desafiou o saber médico da época. “Procuramos fazer um resgate do cotidiano da cidade, enfocando as mudanças ocorridas em seu espaço urbano, em decorrência do fechamento de estabelecimentos durante o evento epidêmico”, afirma Alexandre Caetano. 

“Historicizar uma doença é um dos percursos para se compreender uma sociedade”, explica o pesquisador. Ele expõe que a pesquisa analisou o período entre setembro e novembro de 1918, época na qual a população do Recife submetia-se às precárias condições de saneamento, com carência de serviços básicos como de água e esgoto. “Mais que um problema dentro das questões médicas, a gripe espanhola se transformou em um problema social; a epidemia transformou a forma de pensar a saúde pública no Recife, fazendo surgir mecanismos relativos a projetos de engenharia política e instaurando a possibilidade de reformas futuras na cidade na década de 1920”, pontua.

Durante o evento epidêmico, as páginas dos jornais recifenses da época serviram de espaços para propagar incertezas e divergências em torno de diagnósticos e etimologia; para as autoridades sanitárias orientar a sociedade de como lidar com a situação, além de servir de palco de conflitos na esfera política sobre a discussão em torno da gripe e sobre a fragilidade do poder público. Segundo a análise desses registros, “a oposição política local usava a imprensa como fórum privilegiado, fazendo proveito da epidemia de gripe espanhola para questionar as condições de vida da população, apontando a péssima situação sanitária da cidade”, relata o autor.
 
De acordo com a dissertação, observar os noticiários da época sobre a epidemia da gripe espanhola foi uma oportunidade de entender como a sociedade recifense se comportou no período que reinou a epidemia. “Considerar essas fontes foi uma forma de avaliar a atuação do Estado em função da mediação científica na questão da saúde no Recife na primeira metade do século XX. Esses noticiários da imprensa recifense de 1918 ajudaram na construção de arquivos que servem para a montagem de apontamentos historiográficos da sociedade no período epidêmico da Gripe Espanhola”, relata.

HISTÓRIA | O estudo de Alexandre Caetano aponta que a chegada de pessoas para o espaço urbano do Recife, provenientes de regiões açucareiras do interior de Pernambuco, devido à crise da lavoura canavieira no Nordeste, provocou transformações ligadas à economia local. Ele atesta: "A instabilidade provocada pela ampla corrente de migração propiciou novas relações sociais que foram sendo construídas com o aparecimento do proletariado e a diversificação da classe média, que atuava de forma relevante nas questões políticas da capital pernambucana". Contudo, registra a dissertação, na epidemia de 1918 no Recife, os primeiros a contraírem a gripe espanhola foram os trabalhadores do porto, por ser entrada principal de pessoas de outras regiões do Brasil e do mundo, logo em seguida os residentes e transeuntes do centro urbano da cidade, afligindo com mais destaque aos desprovidos socialmente, mas mesmo assim a espanhola não fez distinção de posição social, atingindo todos os segmentos da população.

Ainda de acordo com o pesquisador, as medidas que foram adotadas pelas autoridades sanitárias da época - como a higienização de espaços públicos com a lavagem e varrição de rua; alterações e proibições à vida rotineira da população, com o fechamento de escolas, clubes, cinemas e, até mesmo, a proibição de celebrações de missas enquanto durasse a epidemia na cidade, evitando aglomerações, além de divulgar orientações de prevenção à doença, com dicas de higiene pessoal - não foram consideradas profilaxias suficientemente eficazes pelos oposicionistas. Mesmo assim, a epidemia teve seu momento de declínio no final do mês de                                          outubro, fazendo com que o poder público permitisse o retorno das atividades urbanas ligadas à diversão, ficando as escolas de retornarem suas atividades só no início do ano de 1919.

O NOME | A dissertação resgata que, durante a Primeira Guerra Mundial, as autoridades dos países envolvidos no conflito não admitiam que seus exércitos estivessem sendo dizimados por essa doença, fazendo com que os países envolvidos nas batalhas procurassem uma nação neutra para atribuir a condição de armazenadora do vírus; daí poder ser esse o motivo de a epidemia ficar conhecida como gripe espanhola, pois a Espanha estava fora da Guerra Mundial de 1914-1918.

Mais informações
Programa de Pós-Graduação em História
(81) 2126.8292
ppghufpe@ufpe.br

Alexandre Caetano da Silva
alexandrecaetano11@yahoo.com.br

Date of last modification: 11/09/2018, 15:33