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O contador e o médico

Gilson Edmar – vice-reitor da UFPE
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Um leitor perguntou o que significava o título e o que continha o texto: um conto ou uma crônica? Nada mais é do que uma simples história de vida: o contador é meu pai e o médico, naturalmente, o autor. Tomei emprestado o título do meu amigo Francisco Ribeiro, vice-diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFPE que, conhecedor desta história, assim a rotulou com muito carinho, no lançamento do seu livro. Meu pai, Júlio de Barros e Silva, foi contador da Usina Matary durante toda a sua vida. Um dia, motivou-se pelo movimento associativo. Foi eleito para o Conselho Regional de Contabilidade, como um dos seus conselheiros, tendo exercido a presidência em alguns mandatos. Nesse período, ainda menino, convivi com o Conselho Regional, assim como todos os membros da família, no dia-a-dia das nossas vidas. O “Conselho”, como chamávamos, era a grande paixão do meu pai, com a permissão de Sevy, minha mãe.
 
Fui com ele ao Conselho inúmeras vezes. Isso ocorria durante a semana, no período das férias e freqüentemente nos finais de semana, pois a sua dedicação chegava a sacrificar o seu lazer. Evidentemente, o protesto familiar era intenso. Mas eu aproveitava essas visitas para lá brincar. Os móveis antigos e pretos (as cadeiras de espaldar alto, a enorme mesa na sala do plenário, além do bureau entalhado da presidência) assustavam qualquer criança.
 
Porém, estavam de acordo com o ambiente da sede, que era no primeiro andar de um antigo casarão, na esquina da Rua do Riachuelo com a Rua da Aurora, já demolido pela chegada do progresso e pela falta de preservação da nossa história. Das janelas, me divertia com o Rio Capibaribe e suas pontes. Via o treino dos remadores dos nossos clubes e, por vezes, aos domingos, a regata oficial do Campeonato de Remo. Essa era outra paixão do meu pai, antigo remador do Clube Barroso. Possuo, até hoje, sua carteira de sócio. A família participava das comemorações do Dia do Contabilista, 25 de abril, geralmente no Clube Internacional. Lá conhecemos os colegas do meu pai, conselheiros e contadores. No início, eram poucos, mas com o tempo o número foi crescendo. Eram tantos os seus amigos, que deixo de citar nomes para não incorrer na injustiça de esquecer alguns. Vivíamos também as suas viagens para as reuniões do Conselho Federal, acompanhando-o no nosso imaginário, quando relatava, na volta, as novidades que conhecera.
 
O tempo foi passando. O exemplo de tenacidade, de se doar aos outros sem pensar em si e da ética no trabalho, fez crescer em mim uma vocação para a medicina. Nunca questionou minha decisão. Sei que no fundo do seu coração gostaria que eu fosse contador, mas tento seguir seu exemplo no exercício da minha arte de curar e nas minhas funções de dirigente. Como ele vibrava ao me apresentar aos seus colegas nas festas do Conselho: este é meu filho, estudante de medicina, este é meu filho, já médico. Dentro do seu espírito associativo, participou da criação da Academia Pernambucana de Contabilidade. Guardo com carinho seu medalhão e sua beca de acadêmico.
 
Da Rua da Aurora, o Conselho se mudou para o Edifício Canadá, na Conde da Boa Vista, por ter sido adquirido, ainda na gestão de meu pai, um conjunto de salas modernas para ser a nova sede. Era o local preferido da cidade do Recife para consultórios e escritórios. O Conselho cresceu mais ainda em status, motivando outros profissionais a participar de suas atividades. E os móveis antigos que tanto me assustavam e me encantavam foram transferidos para uma casa na Rua da Soledade, adquirida por meu pai e um grupo de contadores que fundaram uma espécie de clube, a Casa do Contabilista. A partir daí, as festas do 25 de abril passaram a ser lá, na casa de todos os contadores. Hoje não mais existe e não sei o que se passou ao longo do tempo.
 
Fiquei feliz quando, na década de 90, ao ser inaugurada a nova sala do plenário do Conselho, agora na Rua do Sossego, fomos convidados para participar da aposição do quadro com o rosto do meu pai, na galeria dos ex-presidentes. Na ocasião, disse o que estou escrevendo hoje: o Conselho, como nós o chamávamos e como o continuo sempre chamando carinhosamente, fez parte das nossas vidas e faz parte da nossa história.
 
Então, respondo ao leitor: o que quis dizer com tudo isto? Nada mais que um tributo ao meu pai, Júlio, e, por meio dele, ao nosso querido e inesquecível Conselho, a todos que exercem a nobre profissão de contador, aos nossos docentes e estudantes do Departamento de Ciências Contábeis e ao 25 de abril, Dia do Contabilista.
 
Publicado no Jornal do Commercio, em 25.04.2006
Date of last modification: 31/10/2016, 11:39

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