A docente Ana Mae Barbosa, aposentada pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, recebeu na sexta-feira (13) o título e grau de Professora Honoris Causa da UFPE. Ao ser agraciada, a docente fez uma defesa veemente das diretrizes que sempre pautaram sua atuação acadêmica na área da arte-educação – “através da arte devemos articular conceitos como diversidade, desigualdade e descolonização” - e reforçou seu sentimento de gratidão “por estar de volta a este Estado e a esta Casa, onde estudei e de onde saí por conta da perseguição da ditadura militar, agora como homenageada”. E completou: “Me deixa muito feliz saber que este prêmio que recebo também foi concedido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.

Foto: Passarinho

Reitor e a homenageada na solenidade de outorga do título

A solenidade, ocorrida no Auditório João Alfredo, na Reitoria, foi presidida pelo reitor Anísio Brasileiro, que falou da satisfação de conceder o título para a docente que contribui de forma destacada na consolidação da arte-educação dentro da academia. Estavam presentes, além do diretor do Centro de Educação (CE), Alfredo Gomes, centro que sugeriu a homenagem, professores de várias unidades acadêmicas da UFPE.

Ao fazer o discurso panegírico, em que apresentou o histórico da nova Professora Honoris Causa da UFPE, o professor Fernando Antônio Azevedo (UFRPE) traçou um paralelo entre o poema “Correntes”, da poetiza Wislawa Szymborska, e o perfil de Ana Mae, para concluir que esta última “nunca passa ao largo; compromete-se; resiste e, sobretudo em um contexto adverso em que prevaleciam, e prevalecem, os modelos eurocêntricos na arte-educação”. Para Azevedo, o incentivo ao gesto de reelaboração é uma forte característica da professora, que fez graduação em Direito pela Faculdade de Direito do Recife e depois de ter atuado como em escolas da rede pública em Pernambuco, enveredou-se para a educação através da arte.

Ana Mae é acompanhada pela comissão de honra

Ainda na apresentação da docente, Fernando Azevedo cita que Ana Mae tem uma postura ética diferente das pessoas que são indiferentes aos outros e que, com sua postura crítica, a homenageada havia postulado que “no Brasil se pratica apartheid artístico como se pratica preconceito de raça e de gênero; aqui tudo o que é feito pelo pobre é tido com artesanato e não arte, e isso reflete um pensamento de que arte é coisa da elite”. Como maior mérito da homenageada, Azevedo destaca que ela incutiu nos seus alunos o amor pelo conhecimento. “E é por isso que não posso terminar esse discurso sem fazer uma declaração de amor à nossa mestra maior, porque filósofa da arte-educação: eu te amo Ana Mae”, afirmou.

Para ilustrar a necessidade de uma “vigília cívica” contra os que defendem o banimento das humanidades nas universidades, e sua repercussão na área das artes, Ana Mae Barbosa faz um alerta: “Ao dizer que é preciso desenhar para explicar a algo que não foi entendido de outra forma ou afirmar que 'dançamos' numa prova para demonstrar que não nos saímos bem, assim estamos reduzindo o valor dessas artes; o desenho nem a dança são expressões dirigidas para quem não tem conhecimento”. Segundo a professora, as universidade hoje têm esse papel de colocar a arte no lugar e patamar das outras áreas do conhecimento.

CURRÍCULO – Ana Mae Barbosa é professora titular aposentada da USP, atuando no doutorado em Ensino e Aprendizagem de Arte, que implantou na Escola de Comunicação e Artes, e nos mestrados e doutorados em Design, Arte e Tecnologia da Universidade Anhembi Morumbi. Ensinou em universidades inglesas e americanas, entre elas Yale University e The Ohio State University.

Dentre os inúmeros motivos elencados para a concessão da honraria à professora Ana Mae Barbosa, os proponentes apontam, sobretudo, “a nobreza de suas ações educativas para com pessoas de condições menos favorecidas economicamente, assim como seu pioneirismo no campo das artes, facilitando a todos o acesso, a fruição, a criatividade e o posicionamento político crítico pelas caminhos da educação, da ciência e da cultura”.

Ela é reconhecida pela criação de uma proposta educativa contra-hegemônica aos modelos trazidos da Europa em relação ao ensino da arte, e que, em muitos momentos, serviram como instrumento de alienação e exclusão. “A professora Ana Mae Barbosa constrói e reconstrói dialeticamente a posição que a educação do ser humano precisa ser compreendida como um ser de trabalho e de ação potencialmente transformadora do mundo”, atesta o documento do Centro de Educação da UFPE.

HISTÓRIA – Nascida no Rio de Janeiro (RJ), em 1936, Ana Mae logo se transferiu para Maceió (AL) para morar com os avós, após ter ficado órfã dos pais. Mudou-se para o Recife, onde finalizou o curso ginasial no Instituto de Educação de Pernambuco (IEP) e o curso normal na Escola Normal de Pernambuco. Também fez o curso de Direito na UFPE, concluindo em 1960.

Aprovada me 2ª colocação no concurso de professores, iniciou o magistério na rede estadual de ensino de Pernambuco no Grupo Escolar Manoel Borba, alfabetizando crianças dos alagados do Recife, no bairro dos Coelhos. Teve passagem relevante na Escolinha de Arte do Recife de onde foi indicada pelo arte/educador Augusto Rodrigues para atuar com professora da UnB, tendo se demitido, em ação conjunta com demais docentes da instituição, quando da instalação da ditadura no Brasil. Ana Mae Barbosa retornou ao Recife de onde partiu, com alternativa à perseguição que intelectuais pernambucanos sofriam do regime militar, definitivamente para São Paulo.

Responsável pela formação de centenas de doutores e mestres que passaram a atuar em inúmeras universidades brasileiras, a professora Ana Mae foi a primeira arte/educadores a realizar curso de doutorado no país. Em reconhecimento ao seu trabalho – com mais de 30 livros e 117 capítulos de livros publicados, além da participação em mais de 400 eventos relevantes e publicação de mais de 100 artigos em periódicos nacionais e internacionais –, a professora recebeu prêmios de honra ao mérito de importantes instituições de âmbito nacional e internacional.

Confira o álbum de fotos da solenidade, de autoria de Passarinho.