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Entre a autonomia e a invisibilidade: o trabalho das mulheres feirantes na Sulanca

Estudo aponta que o trabalho não contribui para que a mulher feirante perceba-se como protagonista no processo econômico

Por Camila Sousa


Compreender a atuação do trabalho feminino é não só observar as dimensões econômicas a ele associadas, mas, antes de tudo, discutir a respeito deste espaço como ambiente de reconhecimento e autonomia legítimo. Ao mesmo tempo em que buscam independência para tocarem suas vidas e de suas famílias, as mulheres, em especial aquelas situadas em ambientes de vulnerabilidade, enfrentam dificuldades para encontrar condições que minimamente propiciem um ambiente de trabalho que respeite seus direitos. Este contexto pode ser muito bem transplantado ao caso das mulheres feirantes, uma vez que necessitam de maior proteção social para desempenharem suas funções. 

E foi tratando desta problemática que a dissertação “Pra onde tu vai, Maria? Vou pra Feira da Sulanca! Um estudo sobre o trabalho feminino na Feira da Sulanca de Caruaru-PE”, produzida por Juliana Gouveia Alves da Silva, verificou que o trabalho feminino na Feira da Sulanca, em Caruaru, ao mesmo tempo em que viola os direitos humanos das mulheres, uma vez que, apesar de estarem inseridas na cadeia produtiva de trabalho, permanecem sem proteção social, também é responsável pela afirmação dos seus direitos. A pesquisa contou com a orientação da professora Ana Maria de Barros e coorientação do professor Marcelo Henrique G. de Miranda, do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPE.

RELEVÂNCIA | Com uma perspectiva histórica-estrutural, o trabalho analisou a atuação das feirantes no contexto da história da humanidade e de que maneira, ao longo de sua trajetória vinculada ao capitalismo, está relacionada à informalidade/precariedade social. Segundo a autora, a relevância da pesquisa decorre, justamente, porque as feiras, de maneira geral, estão dentro de processos sociais identitários das comunidades que dela dependem para o sustento, resistindo às burocracias modernas. “O estudo em si busca trazer visibilidade ao trabalho das mulheres feirantes, analisando de que maneira ele contribui para a afirmação dos Direitos Humanos dessas pessoas”, explica Juliana, que analisou dados obtidos por meio de entrevistas.

A partir do contato com a realidade das feirantes, a autora identificou que, apesar das mulheres participarem de grande parte dos processos produtivos, desde a transformação da matéria-prima à comercialização dos produtos na feira da Sulanca, têm pouco poder de decisão a respeito do seu espaço de trabalho. Segundo Juliana Gouveia, “o trabalho não contribui para que a mulher feirante perceba-se como protagonista no processo econômico de crescimento econômico da cidade; a preocupação é com a feira como um todo e a diminuição do movimento de compradores justificado pela não estrutura que a Feira da Sulanca se encontra na atualidade”. 

Outro fator apontado pela dissertação como prejudicial ao trabalho das mulheres na Feira da Sulanca é a falta de estrutura do ambiente profissional. No Parque 18 de Maio, onde se assenta a feira, de acordo com a pesquisadora, quando chove, a lama dificulta o trânsito de pessoas e, consequentemente, a comercialização de produtos. E, para além disso, “as relações discriminantes dentro da feira, movidas por casos de disputa de local para venda, evidenciam a falta de um olhar que identifique o espaço como sustento para várias famílias”, avalia Juliana Gouveia. 

Segundo aponta a dissertação, a perspectiva da pesquisa em trazer um olhar que se sensibilize com protagonistas silenciados pela história, sobretudo pela questão de gênero e classe, reafirma a atualidade do tema; “a marca do trabalho feminino, especificamente desempenhado pelas feirantes da Sulanca, emancipa e ao mesmo tempo, pune-as”. E, ainda para Juliana, “ao mesmo tempo em que é emancipador e garante a subsistência, este trabalho (como feirante na Sulanca) tem em sua esteira os elementos de violação na medida em que a condição de feirante corresponde a uma real possibilidade de inserção das mulheres no mercado de trabalho no Agreste de Pernambuco”.

TESTEMUNHO | O Centro Regional de Informação das Nações Unidas ratifica a vulnerabilidade das mulheres no ambiente de trabalho. Segundo relatório da entidade, elaborado em 2013, a limitação à oferta de emprego para as mulheres é maior em todos os setores produtivos. Se a realidade já é dura, na Feira da Sulanca ela tem maiores agravantes. Isso porque a maioria das mulheres feirantes de Caruaru não teve acesso a nenhum curso de formação profissionalizante e grande parte delas aprendeu o ofício através da manutenção familiar, em ocupações anteriores ou até mesmo sozinhas, explica Juliana.

“Porque sou guerreira mesmo, pra vir pra essa feira tem que ser”. A frase, dita por uma das feirantes entrevistadas, evidencia a percepção da negligência do poder público com o trabalho feminino. A vulnerabilidade registrada em sua fala afeta inevitavelmente o trabalho dessas mulheres. “Eu comecei quando a feira era antiga. A gente começou a trabalhar lá. Depois que a feira mudou pra essa daqui virou um estrago. Colocaram a gente aqui nesse lugar, aqui que chamam de curral”, completa outra entrevistada.

Mais informações

Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPE
ppgdh@ufpe.br
(81) 2126.8766

Juliana Gouveia Alves da Silva
julianagouveia24@gmail.com

Data da última modificação: 06/04/2018, 10:20