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Retratação de artigos científicos de autores e coautores brasileiros é tema de pesquisa da UFPE
Karen Santos-d’Amorim, doutoranda em Ciência da Informação pela UFPE, é a autora principal do estudo
Por Ana Célia de Sá
O perfil de artigos científicos de autores e coautores brasileiros que passaram por retratação é tema de estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foram avaliados 162 artigos retratados, de 2002 a 2019, que estão indexados na base de dados Retraction Watch. Desses, 59,9% tiveram como causa da retratação algum tipo de má conduta (como uso incorreto de imagens, plágio ou autoplágio e falsificação ou manipulação de resultados), 19,1% apresentaram erros não intencionais e 14,8% tiveram erros editoriais. Não foi possível identificar a causa em outros 6,1%. O estudo está publicado no periódico Transinformação (v. 33, 2021), avaliado com Qualis A1.
Intitulado “Reasons and implications of retracted articles in Brazil” (“Razões e implicações de artigos retratados no Brasil”), o trabalho identificou quatro fatores gerais para a retratação de um artigo: algum tipo de má conduta, derivada de práticas intencionais; algum tipo de prática questionável; erros não intencionais; e, por fim, erros editoriais, como a publicação de um artigo que sequer foi aceito, mas que erroneamente foi publicado. Dos 162 artigos retratados no período, a maioria envolveu trabalhos de Biociências (28,1%), Medicina Clínica e Experimental (26,6%) e Química (17,2%), com prevalência da má conduta.
Essas são também as áreas com maior quantidade de publicações, o que pode explicar a alta concentração de retratações, segundo Karen Santos-d’Amorim, doutoranda em Ciência da Informação pela UFPE e autora principal do estudo. “Além dessa correlação direta com o número de publicações, nós consideramos a palavra ‘reprodutibilidade’ uma palavra-chave para entender esse cenário, pois, em geral, as Ciências Exatas e da Natureza, da Saúde e Ciências Biológicas tendem a ser ‘autocorretivas’, uma vez que um estudo ou experimento que não pode ser replicado pode ser identificado a partir da própria tentativa de reprodutibilidade. Também as Ciências da Saúde contam com estágios mais avançados no desenvolvimento de protocolos e procedimentos de retratação em seus periódicos”, detalhou Karen. Além dela, assinam o artigo os professores Anna Elizabeth Galvão Coutinho Correia (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação – PPGCI), Májory Karoline Fernandes de Oliveira Miranda (PPGCI) e Petrus Santa-Cruz (Departamento de Química Fundamental/Programa de Pós-Graduação em Química).
Conforme o levantamento, as universidades que mais tiveram artigos retratados em números absolutos foram a Universidade de Campinas (Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP), seguidas pelas Universidades Estadual Paulista (Unesp), Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Federal de Mato Grosso (UFMT), Federal do Espírito Santo (Ufes), Federal de Minas Gerais (UFMG), Federal de Viçosa (UFV) e Estadual de Maringá (UEM). Apesar de em números absolutos a Unicamp e a USP serem as instituições com maior quantidade de artigos retratados, normalizando-se esses dados em relação ao quantitativo de produção científica dessas universidades, a Unicamp passa para a quarta posição em números relativos, enquanto a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) passa a liderar esse ranking, seguida pelo Instituto Adolfo Lutz e Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e a USP passa para a 13ª posição.
Do total de artigos analisados, um terço foi publicado em periódicos brasileiros. Os outros dois terços foram publicados em periódicos internacionais, com Fator de Impacto (FI) que varia de 2 a 43. “Ao passo que as políticas editoriais de retratação de periódicos publicados sob o selo de grandes conglomerados editoriais estão em estado mais avançado, as políticas editoriais de retratação de periódicos locais têm melhorado gradativamente. Essa melhora se deve a políticas e iniciativas no tema, como o desenvolvimento de códigos de boas práticas científicas, como o da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo]; instituição de comissões nacionais e locais; a publicação de diretrizes sobre integridade científica em periódicos nacionais pela Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec), que orienta editores sobre como proceder nesses casos; além de eventos no tema”, explicou Karen.
Ainda segundo a pesquisadora, o mais grave é que os artigos retratados, de modo geral, continuam sendo citados, inclusive de forma positiva, disseminando conclusões de estudos já invalidados e contribuindo com a desinformação. “Há artigos que continuaram sendo citados depois de cancelados, com 30% de citações positivas, que é um dado que publicamos no ano passado na Liinc https://doi.org/10.18617/liinc.v17i1.5593, revista do Ibict, em que destacamos o impacto dos artigos retratados no fenômeno da ‘infodemia’ durante a pandemia de covid-19”, afirmou.
RETRATAÇÃO – A retratação de um artigo científico funciona como um mecanismo de alerta de que a pesquisa apresenta algum problema ou falha com vistas à correção do registro e da memória científica. O procedimento é realizado sempre no mesmo periódico em que o artigo foi publicado, e um artigo que sofre retratação possui uma marca d’água, que é um selo de “retracted”, em toda sua extensão e pode ser acessado por meio do seu Digital Object Identifier (DOI).
Karen Santos-d’Amorim indica formas para o pesquisador acessar as versões mais atualizadas dos artigos. “Uma dica é uma ferramenta que tem sido amplamente utilizada por editoras comerciais, que é a CrossMark, da CrossRef, que geralmente pode ser localizada na capa desses artigos com o bottom ‘check for updates’. Quando clicado, mostra se o artigo passou por alguma correção menor, substancial ou sofreu retratação, que é a medida corretiva mais rigorosa. Os pesquisadores também podem checar manualmente nos próprios sites dos periódicos”, disse.
O artigo “Reasons and implications of retracted articles in Brazil” (“Razões e implicações de artigos retratados no Brasil”) também foi tema, no último sábado (23), do Podcast Pesquisa Brasil, uma parceria da Revista Pesquisa Fapesp com a Rádio USP.
Mais informações
Karen Santos-d’Amorim
karen.isantos@ufpe.br