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UFPE chega aos 75 anos com um olhar voltado para a diversidade e a inclusão

Estudantes atendidos pelo Núcleo LGBT, Nace e Núcleo Erer contam suas vivências na Universidade

Por Renata do Amaral

Ao completar 75 anos hoje (11), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) se encontra em um momento de consolidação de aspectos como diversidade, políticas afirmativas e inclusão. A Universidade tem três núcleos voltados para essa tarefa: o Núcleo de Políticas LGBT (NLGBT, @nlgbtufpe), o Núcleo de Acessibilidade (Nace) e o Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais (Núcleo Erer, @erer.ufpe).

Uma importante medida recente, depois das ações afirmativas na graduação, é a implementação da política também na pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), que terá uma reserva de, no mínimo, 30% do total das vagas para pessoas negras (pretas e pardas), quilombolas, ciganas, indígenas, trans (transexuais, transgêneros e travestis) e pessoas com deficiência, de acordo com resolução aprovada em maio. 

O Núcleo LGBT é responsável pela execução da Política LGBT da UFPE, que busca favorecer o acolhimento, a inserção e a permanência da comunidade LGBT na Universidade, implementando ações afirmativas e projetos relacionados aos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e intersexuais. Promove ações como o direito ao uso do nome social e a realização de cursos de sensibilização para servidores. 

O Núcleo de Acessibilidade (Nace) apoia e promove a acessibilidade aos estudantes e servidores (docentes e técnico-administrativos em Educação) com deficiência, mobilidade reduzida, transtorno funcional específico da aprendizagem, transtorno global do desenvolvimento e/ou altas habilidades/superdotação, articulando ações já realizadas na Universidade e também promovendo novas ações.

Criado em novembro de 2020, o Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais (Núcleo Erer) é orientado pelo princípio da equidade para a garantia dos direitos educacionais e o combate ao racismo estrutural da sociedade brasileira e às desigualdades que afetam a permanência e o desenvolvimento pleno da comunidade acadêmica da UFPE. 

Conversamos com estudantes atendidos pelos três núcleos para saber mais sobre sua vivência universitária, as conquistas que já podem ser comemoradas e os desafios que ainda precisam ser enfrentados. Naomi Leão, Elisuane Maria Barbosa e Yure Gonçalves compartilham suas histórias em uma UFPE que forma pessoas que, como eles, transformam o mundo ao seu redor.

Fotos: Acervos pessoais

Naomi Leão: “Eu acredito muito nesse movimento de avançar, sabe?”

“Ser uma pessoa trans e travesti e tentar acessar a universidade é de uma dificuldade extrema”, diz Naomi Leão, 21 anos, estudante de Pedagogia, modelo, travesti negra e formadora e bolsista do Núcleo LGBT. “A gente vem de todo esse histórico social de vulnerabilidade e precisa lidar com diversas barreiras que são impostas em nossa vida”, explica, destacando o quadro social de marginalização e objetificação como a principal.

“Minha mãe sempre me colocou nesse lugar de passar na Federal desde muito nova, quando eu nem sabia o que era Federal”, conta. A mãe queria que Naomi cursasse Direito, mas ela descobriu uma paixão por Letras no Ensino Médio. Entrou em Pedagogia pensando em fazer transferência interna, mas se apaixonou pelo curso logo no primeiro semestre. “Não quero mais largar Pedagogia, inclusive quero seguir carreira acadêmica”, afirma.

Apesar de lidar com desafios constantes, Naomi conta que acredita muito no movimento de avançar. “A gente vê esses mínimos avanços quando a gente tem na coordenação do Núcleo de Políticas LGBT uma travesti negra”, ressalta. “Como bolsista, eu me vejo com essa possibilidade de movimentar, estruturar e expandir essas políticas dentro da Universidade, visando sobretudo o acesso e a permanência de pessoas trans e travestis.”

A estudante faz uso do nome social, que consta no Sistema de Informações e Gestão Acadêmica (Siga) e nas atas e cadernetas. Para ela, algo que precisa ser melhorado é que nem todos os sistemas são integrados, então seu nome ainda não aparece na biblioteca e no restaurante universitário. “Mas a gente vem caminhando para isso”, considera. Naomi acredita que o acesso aos serviços de psicologia também deve ser facilitado.

A futura pedagoga considera que a maior dificuldade enfrentada pelas pessoas trans e travesti é a questão do acesso. “Nossos direitos e acessos a diversas esferas sociais são ceifados: nosso direito à educação é ceifado, nosso direito à saúde é ceifado”, afirma. Além das políticas afirmativas para ingresso na instituição, ela considera muito importante a existência de bolsas para garantir a permanência e a conclusão do curso.

Elisuane Barbosa: “Nunca gostei de me restringir por causa da minha deficiência”

Foi aos 15 anos que Elisuane Maria Barbosa perdeu a visão, devido a um descolamento de retina causado por uma catarata. A adaptação não foi fácil. Seu primeiro contato com o braille, sistema de escrita e leitura tátil, aconteceu na escola onde concluiu o Ensino Médio. “É como aprender a ler e desaprender”, define a estudante, que hoje tem 23 anos e cursa Nutrição na UFPE, onde ingressou em 2019.

Elisuane sabia que queria se formar na área de saúde, mas o desejo específico pela Nutrição se tornou mais intenso apenas em 2018, inspirada por reportagens sobre a profissão. “A nutrição era algo que sempre me cercava”, afirma, lembrando que começou a se interessar por cozinha com apenas dez anos. Sua entrada na UFPE, conta, “foi mais do que um sonho, foi um presente de Deus”.

Na Universidade, a estudante, que diz que gosta muito de estudar e interagir, conta que conheceu pessoas maravilhosas. Única pessoa com deficiência visual do seu curso, ela participa da reunião mensal de acompanhamento do Nace, mas a maior parte dos seus amigos é da sua própria graduação. Ela conta com o apoio deles para acompanhá-la nos percursos pelo campus para evitar acidentes.

Na sala de aula, ela tem o auxílio de um aluno de sua turma que atua como monitor cadastrado pelo Nace. Ela defende que a Universidade precisa continuar melhorando desde aspectos físicos – como prosseguir com a ampliação de calçadas e instalar mais corrimãos – até ações de capacitação de docentes, para que eles possam trabalhar melhor com seus alunos com deficiência.

No dia a dia, os professores mandam os arquivos de estudo em formato compatível para possibilitar a leitura por meio do programa de acessibilidade, com o qual ela já estava acostumada desde a escola. “Ele é os nossos olhos”, afirma. Apesar de considerar puxado estudar em casa, Elisuane conseguiu adiantar algumas disciplinas durante a pandemia. “Nunca gostei de me restringir por causa da minha deficiência visual”, explica.

Yure Gonçalves: “É preciso descolonizar o currículo, incluindo referências bibliográficas de autorias negras”

O estudante Yure Gonçalves, 29 anos, é a primeira pessoa da sua família a estar numa instituição de Ensino Superior pública. “Minha escolha profissional foi o curso de Pedagogia, um curso de excelência, riqueza epistemológica e rigorosidade metodológica”, afirma. Ele atua como bolsista do Núcleo Erer e integra o Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinar em Formação Humana Representações e Identidades (GEPIFHRI).

Yure exemplifica os avanços pela existência de três grupos sobre a temática no Centro de Educação (CE), coordenados por professoras negras e voltados ao ensino, pesquisa e extensão: além do Laboratório de Educação das Relações Étnico-Raciais (Laberer), do qual ele também faz parte, há o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Autobiografias, Racismos e Antirracismos na Educação (Gepar).

“Outro avanço importante é a presença de disciplinas eletivas e uma obrigatória, aprovada no novo perfil do curso de Pedagogia. É importante mencionar o reconhecimento da produção de conhecimento e a concessão de títulos para personalidades da sociedade e dos movimentos populares e sociais, a exemplo de Lia de Itamaracá e pai Ivo de Xambá”, afirma, destacando também o Plano de Ações do Núcleo Erer, lançado em março.

Para ele, o principal desafio das universidades é a institucionalização da Política de Educação das Relações Étnico-Raciais: “É preciso incluir obrigatoriamente essa discussão nos currículos oficiais de cada curso da instituição, pois esse é um debate mais do que necessário e transversal.” Potencializar a entrada, manutenção e desenvolvimento pleno dos acadêmicos que pertencem aos povos originários na UFPE é outra questão basilar, para ele.

“É preciso descolonizar o currículo, incluindo referências bibliográficas de autorias negras, indígenas, ciganas, quilombolas e ampliar a interlocução entre sociedade/movimentos sociais e a universidade, promovendo um diálogo profícuo entre o conhecimento científico e outros saberes”, ressalta Yure, para quem a criação do Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais é um marco potente, “apesar dos 75 anos de atraso”.

Mais informações
Núcleo de Políticas LGBT (NLGBT)

diretoria.lgbt@ufpe.br

Núcleo de Acessibilidade (Nace)
nucleodeacessibilidade@ufpe.br

Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais (Núcleo Erer)
nucleo.erer@ufpe.br

Data da última modificação: 23/08/2021, 19:06