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No Dia Internacional dos Direitos Humanos, professor e aluno da UFPE fazem balanço duro, mas veem motivos para comemorar

Jayme Benvenuto e Alex Magalhães analisam avanços obtidos na área, no dia da comemoração dos 73 anos da DUDH

Arte gráfica: Igor de Melo Xavier

Por Renata Reynaldo

Um, o professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPE (PPGDH), atua há mais de 30 anos em instituições e projetos que focam a defesa dos Direitos Humanos; o outro, aluno dessa mesma pós, defende hoje (10) dissertação que propõe reflexões sobre a Justiça de Transição no Brasil, para obter seu título de mestre. Jayme Benvenuto, 60 anos, e Alex Magalhães, 27, cada qual em seu tempo, têm em comum, além do compromisso de vida para melhor compreender as causas e lutar em defesa dos desassistidos de direitos, a crença – otimismo, mesmo! –, de que, embora ainda exista muito caminho pela frente, neste Dia Internacional dos Direitos Humanos há motivos para se comemorar.

Jayme Benvenuto trabalhou durante cerca de 20 anos no Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), tendo coordenado a instituição por cerca de sete anos, contribuindo para a implementação dos programas de proteção a testemunhas, defensores de direitos humanos, educação em direitos humanos e proteção internacional dos direitos de humanos. Também atuou junto ao Movimento Nacional de Direitos Humanos e à Plataforma Brasileira de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, onde coordenou a implementação do projeto Relatores Nacionais de Direitos Humanos, um projeto inspirado nas relatorias nacionais da ONU. “Sempre busquei aliar minha atuação prática à capacidade de realizar pesquisas, tanto quando trabalhava apenas no Gajop, como depois na Unicap, na Unila e agora na UFPE”, relata.

Adotando como ênfase os estudos justransicionais e lógica colonial, o mestrando no PPGDH-UFPE Alex Magalhães  é especialista em Filosofia e Teoria do Direito, além de colaborador nos Grupos de Pesquisa Pós-Colonialidade e Integração Latino-Americana (FRD-UFPE/CNPq) e Contemporaneidade, Subjetividades e Novas Epistemologias (UPE/CNPq). Natural de Caruaru, Alex é egresso da escola pública estadual e se interessou pela temática dos DDHH ainda na graduação. “Participei de atividades de Pesquisa e Extensão Universitária no grande campo dos Direitos Humanos, movimentos sociais, memória, identidade e cultura, além de me envolver com temáticas relativas ao meio ambiente, sociedade e diversidade”, relembra.

No âmbito da passagem dos 73 anos da Declaração Universal dos Direito Humanos (DUDH) , documento proclamado em 10 de dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), e reconhecido como o documento mais traduzido do mundo – em 525 idiomas – Jayme Benvenuto e Alex Magalhães concederam esta entrevista.

JAYME BENVENUTO

Há o que comemorar neste Dia Internacional dos Direitos Humanos?

Jayme Benvenuto | A meu ver, há o que comemorar e há o que indicar que pode ser melhorado em matéria de direitos humanos. Tanto no plano nacional como no internacional, ocorreram avanços em termos de garantir meios para realização prática de direitos. As constituições dos países democráticos contam com capítulos relacionados à definição de direitos humanos, mas também meios processuais de sua garantia. A ONU realizou duas conferências mundiais para ampliar as possibilidades práticas de realização de direitos. Hoje temos um alto comissariado para direitos humanos, comitês de monitoramento, relatorias especiais de direitos humanos, tudo isso na perspectiva de que os direitos se façam valer na prática. Mas ainda há muito que fazer, afinal, nossos 73 anos de Declaração Universal dos Direitos Humanos são muito pouco em comparação com séculos de ausência de direitos declarados.

Depois de tanto tempo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda dá conta de tutelar a dignidade dos povos, considerando as mudanças sociais desde 1948 e a complexidade dos dias atuais?
Jayme Benvenuto | A DUDH é um texto aberto a muitas possibilidades. A meu ver, os principais direitos estão lá enunciados e permitem que, se os estados nacionais quiserem, deem passos para que se façam progressos em matéria de proteção dos direitos humanos. O mais preocupante é que em muitos estados nacionais há atualmente forças que trabalham pelo retrocesso civilizacional. Se depender dessas forças, a DUDH pura e simplesmente deixa de existir. Regressamos ao período pré-iluminista. O nosso desafio é trabalhar pelo fortalecimento da DUDH.

Que mudanças sociais mais impactaram negativamente para as lutas em defesa dos DDHH?
Jayme Benvenuto | Por um lado, temos uma persistente continuidade de violações a direitos humanos, e uma cultura de violência que dá sustentação às violações. Este é nosso maior problema desde sempre: criar uma cultura que faça frente a uma longa história de violações a direitos. Por outro lado, o surgimento da internet, em combinação com o uso feito por certos partidos políticos e grupos sociais, tem potencializado o ódio pela via de redes sociais, que possuem um alto grau desagregador.

Nesse tempo todo, dá para contabilizar conquista significativa com relação aos Direitos Humanos em nível global?
Jayme Benvenuto | Como falei, no plano internacional, temos feito avanços em termos de definição de direitos, monitoramento de metas, realização de direitos em termos práticos. Temos tribunais internacionais regionais de direitos humanos que têm decidido em casos graves e responsabilizado estados nacionais por violações a direitos humanos. Recentemente, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo feminicídio de uma jovem, Márcia Barbosa, cometido por um ex-deputado na Paraíba. Este caso, mesmo antes da decisão da Corte, havia propiciado a alteração da Constituição brasileira para permitir que parlamentares fossem processados pela prática de crimes comuns no curso do mandato. Ou seja, o instituto da imunidade parlamentar foi redefinido para permitir a proteção de direitos humanos. No Chile, a Constituição foi alterada em razão do caso “A Última Tentação de Cristo”, em nome da liberdade de expressão. Isso não é pouco. Há muitos outros casos que trazem grandes avanços civilizacionais para a sociedade.

Qual a questão mais urgente quando se fala em DDHH no Brasil. Ou, qual a maior demanda nesse aspecto?
Jayme Benvenuto | Temos, na verdade, tantos problemas que fica difícil eleger um como prioritário. Eu aponto a educação porque creio que apenas a educação é capaz de ampliar a consciência sobre o mundo e permitir que as pessoas busquem melhorar as condições de proteção de direitos. Sem educação ou com educação pró-forma, ficamos como estamos atualmente, com muita gente vendo plausibilidade em desinformação e fake news.

Vivemos no Brasil sob a égide do discurso religioso e institucional, dito cristão, que condena a autodeterminação das pessoas, sobretudo quanto à orientação de sexual, de gênero; como os atores que militam pela defesa dos DDHH buscam dialogar com os propagadores de ideias preconceituosas que levam, inclusive, à morte de pessoas?
Jayme Benvenuto | Este é um ponto que precisa ser melhorado substancialmente. O diálogo com os setores religiosos é deficitário. É preciso investir nesse diálogo, de modo a contribuir para que esses setores entendam o processo histórico que nos trouxe até à garantia de direitos. É preciso que entendam também que, ao fortalecerem certo discurso religioso, estão de fato potencializando pessoas e grupos de pessoas que se locupletam, à custa de direitos.

ALEX MAGALHÃES

Sua visão é otimista ou o contrário quanto à jornada em defesa dos DDHH?

Alex Magalhães | Otimista, porém, desafiadora. Estamos vivendo um momento de incontáveis violações de Direitos Humanos. No Brasil, os defensores de Direitos Humanos ainda são vistos como defensores de bandidos, alcunha construída entre as décadas de 1970 e 1980, com o suporte, inclusive, dos meios de comunicação. Desconstruir essa ideia é demonstrar, afinal de contas, o que são Direitos Humanos, suas abrangências e de que forma eles se apresentam dentro da esfera do direito. Os Direitos Humanos devem ser tutelados pelo Estado, mas efetivado na prática diária dos cidadãos. Esse é o grande desafio e o maior objetivo dos Direitos Humanos.

Na perspectiva de um jovem, dá para elencar razões para acreditar que a DUDH contribui com a causa a que se propõe?
Alex Magalhães | Costumo sempre lembrar que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”. São fundamentos imprescindíveis para afirmação e efetivação dos Direitos Humanos na contemporaneidade. A elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos representa um dos principais instrumentos de defesa desses direitos. Como exemplo, posso citar a garantia à saúde, à educação e o desenvolvimento individual e coletivo.

Sua atuação como estudante se expande também para questões ambientais; como você faz a ligação com os DDHH?
Alex Magalhães | Julgo importante abordar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, pois são metas que pautam o movimento pela justiça social mundialmente para 2030. Esta agenda trata sobre as temáticas relativas à educação, à saúde, o combate à pobreza e à desigualdade, igualdade de gênero, consumo saudável, entre outras. Lamentavelmente, o Brasil tem se distanciado do cumprimento desses objetivos. Inclusive, no âmbito da Justiça Socioambiental e Climática.

Você defende sua dissertação hoje, dia 10, justo no aniversário da DUDH. Qual o tema? E o que o motivou?
Alex Magalhães | A dissertação procurou abordar as possibilidades de reflexão em torno das ausências e urgências que precisam ser tematizadas no cenário justransicional brasileiro, a partir de teorizações críticas à modernidade. Pude situar a face colonial da ditadura militar e caracterizar a lógica colonial que perfaz as violações de Direitos Humanos dos povos indígenas. O que chamei de “reinvenções ditatoriais da lógica colonial”. Inicialmente, o que me motivou foi a identificação de um tratamento dispensado aos povos indígenas na agenda da Justiça de Transição, uma vez que os processos de verdade, memória e justiça têm dado eco sistemático às questões de violações urbanas de direitos, de homens, em sua maioria brancos, grandes figuras políticas, líderes e militantes. Tendo relegado as minorias sociais, poucos estudos no tocante às violências por esses grupos enfrentadas e, por conseguinte, suas participações na construção da democracia brasileira.

Data da última modificação: 13/12/2021, 15:32