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Mais um Dia Internacional de Eliminação da Violência Contra a Mulher com muito a se fazer pela causa

Professoras Marília Montenegro e Manuela Abath, da FDR, comentam as mudanças na legislação ocorridas nos últimos anos e a atual situação da mulher

Por Renata Reynaldo

Proclamado em 1999 pela Organização das Nações Unidas como o Dia Internacional de Eliminação da Violência Contra a Mulher, este 25 de novembro ainda está longe de fazer jus à sua denominação. Segundo o mais recente relatório da ONU, baseado em dados de 13 países desde o início da pandemia, duas em cada três mulheres sofreram algum tipo de violência ou conheciam uma mulher que a sofreu. No Brasil, em detrimento de termos uma das mais avançadas normas de proteção à mulher vítima de violência doméstica, a Lei Maria da Penha, ainda são alarmantes os índices de violação à integridade feminina. Mesmo assim, a professora Marília Montenegro, da Faculdade de Direito do Recife, da UFPE, defende que, “a nossa legislação específica sobre o tema precisa mais ser preservada e implementada na sua totalidade, do que revisada”.

Para Marília, que integra o Grupo Asa Branca de Criminologia, datas como essa, somada ao marco dos 15 anos da Lei 11.340/06, servem como alavanca para analisar a dinâmica do nosso ordenamento jurídico em relação à violência contra a mulher, e reflete: “Enquanto a gente teve nesses últimos anos o desmonte das políticas públicas dirigidas à mulher, foi quando mais se incrementou o teor punitivista da legislação, o que revela certa facilidade de alterar a LMP nos aspectos criminal e dificuldade enorme de implementar a lei na sua totalidade, sobretudo no que diz respeito às abordagens educacionais reclamadas pela norma”.

PESQUISA – A professora relata que, embora identifique avanços no âmbito da produção de pesquisa nas universidades envolvendo esse recorte da violência, nas esferas da graduação e do Ensino Médio ainda se enfrenta resistência para discutir a Lei Maria da Penha, por exemplo. “E quando conseguimos”, relata, “a abordagem termina carregada pelo conceito de punição policial, mais do que das questões que demandam reflexões estruturais da sociedade”. O artigo 8º da LMP, que trata da implementação de política pública para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, preconiza um “conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e de ações não governamentais”, e aponta nove diretrizes, em sua maioria de teor formativo.

Com uma abordagem mais ampla, a também professora da FDR Manuela Abath Valença aponta um enfoque que precisar ser enfrentando em relação à violência contra mulher, que vai além dos crimes praticados no âmbito doméstico. “A maioria das mulheres presas hoje no Brasil são acusadas de crimes praticados sem violência e sem grave ameaça à pessoa; muitas somam uma longa trajetória de múltiplas vulnerabilidades, sendo mulheres pobres, muitas vezes mães solos e sem emprego ou com vínculos muito precários”, denuncia.

Como docente, Manuela Abath revela que “as aulas de processo penal e de outras ciências criminais são um convite a pensar sobre a violência seletiva do estado punitivo e as alternativas que existem para lidar com pessoas que, eventualmente, se envolvam na prática de crimes”. Outro ponto fundamental na visão da professora, que converge com a visão da sua colega, é pensar sobre como estamos abordando a questão da violência contra as mulheres. “A Lei Maria da Penha representou um avanço, mas o ponto mais importante que eu teria a mencionar é que a implementação das intenções de uma lei exige arranjos institucionais e engajamento por parte do Estado que não existe de modo satisfatório no que diz respeito a mulheres que sofrem violência doméstica ou mesmo para lidar com homens agressores”, reforça.

Segundo Manuela, faltam equipamentos de proteção; faltam equipes psicossociais para abordar os conflitos de modo complexo, como deve ser; faltam espaços de escuta verdadeiramente acolhedora de mulheres, além de serem incontáveis os relatos e os dados empíricos de pesquisas que demonstram que mulheres vítimas de violência são muitas vezes revitimizadas quando procuram ajuda em delegacias de polícia ou por meio de processos criminais. “Por quê?”, indaga, e responde: “Nem sempre as equipes que recebem essas mulheres estão prontas para lidar com esse tipo de conflito, podendo ou minimizar as histórias ou impor as soluções sem verdadeiramente escutar essa mulher”.

DATA – O 25 de novembro foi estabelecido como Dia Internacional de Eliminação da Violência Contra a Mulher no Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe realizado em Bogotá, Colômbia, em 1981, em homenagem às irmãs Mirabal. Las Mariposas, como eram conhecidas, as irmãs Mirabal – Patria, Minerva e Maria Teresa – foram brutalmente assassinadas pelo ditador Rafael Leônidas Trujillo em 25 de novembro de 1960 na República Dominicana. Neste dia, as três irmãs regressavam de Puerto Plata, onde seus maridos se encontravam presos. Elas foram detidas na estrada e foram assassinadas por agentes do governo militar. A ditadura tirânica simulou um acidente.

Em declaração emitida há quase 30 anos, a Assembleia Geral da ONU define a violência contra as mulheres como “qualquer ato de violência que tenha ou possa resultar em dano físico ou sofrimento, sexual ou psicológico para as mulheres, bem como ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade, quer ocorram na vida pública ou na vida privada". O documento, “Declaração sobre a eliminação da violência contra a mulher”, reconhece a necessidade urgente de aplicação universal às mulheres dos direitos e princípios relativos à igualdade, segurança, liberdade, integridade e dignidade de todos os seres humanos. O tema já era urgente há 30 anos.

Data da última modificação: 26/11/2021, 16:38