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Meu olhar para Marseille

Por Gilson Edmar Gonçalves e Silva
gilson.edmar@ufpe.br

 

A cidade de Marseille, na França, entrou na minha vida, quando escolhi o serviço de Neurofisiologia Clínica do Prof. Henri Gastaut, no Centre Hospitalier et Universitaire de la Timone, para fazer pós-graduação.

Ela tem muitas semelhanças com o Recife, minha cidade natal. É uma metrópole litorânea, na costa do Mar Mediterrâneo, com um porto bem movimentado e praias agradáveis. Nasceu de uma vila de pescadores, com histórias e com uma culinária oriunda desta população. Tem sol quase o ano inteiro, exceto por um período de chuvas. Difere apenas no clima, pois tem bem definidas as quatro estações e por um vento, chamado Mistral, que vem dos Alpes, incomodando os seus habitantes pela sua força e baixa temperatura.

No centro antigo da cidade localiza-se o Vieux Port (Velho Porto), que hoje funciona como uma marina, para barcos de lazer e, ao seu redor, uma área turística com bares e restaurantes. Uma ilha próxima, que outrora foi uma prisão, o Château d"If, serviu de cenário na ficção de Alexandre Dumas. Lá, seu personagem, o Conde de Monte Cristo, foi aprisionado.

Os peixes e os frutos do mar são vendidos aos domingos no Vieux Port ou nos mercados e feiras da cidade. Com eles são feitos os mais tradicionais pratos da região de Provence, onde está inserida Marseille. O mais típico é a Bouillabaisse. Nos restaurantes do Vieux Port tem algo parecido com a nossa sinfonia marítima, mistura de peixe e frutos do mar, receita modificada do prato para satisfazer os turistas. A verdadeira Bouillabaisse é uma sopa de peixes típicos do Mediterrâneo. Os pescadores quando voltavam do mar vendiam os peixes de primeira, sobrando os de segunda. Para não jogá-los fora, faziam uma sopa (o bouillon), que tem um sabor especial pelo tipo de peixe usado. Daí originou-se a verdadeira Bouillabaisse, que deve ser saboreada com um vinho rosè da região, o Côtes du Rhône.

Marseille foi e continua sendo porto de entrada de diversos povos. Outrora foram os navegadores da época. Atualmente são os habitantes do norte da África. São tão numerosos os árabes que já fazem parte do cenário desta cidade cosmopolita.

Conta a lenda que Lázaro e Maria Madalena, após a morte de Jesus vieram para Marseille. Existe um túmulo que se diz ser de Lázaro, num mosteiro próximo ao Vieux Port e uma capela com a réplica da crucificação, no local onde Maria Madalena subiu a montanha para orar e meditar. Como povo religioso, o marselhês fez construir uma igreja na parte mais alta da cidade e na sua torre colocou uma imagem de Nossa Senhora, a Notre Dame de la Garde, para guardar e proteger a cidade dos invasores.

É também uma gente alegre, que facilmente faz amizade, talvez pela convivência com os povos que por lá passaram e que vivem nas suas proximidades. Tem influência também o sol, o colorido das suas plantas e o cheiro da sua alfazema. Esta característica me fez ter grandes amigos no período que morei na cidade. Entre eles, tenho uma gratidão especial a Robert Naquet, meu orientador científico que infelizmente já faleceu, a Jacques Saier, meu contemporâneo no trabalho, que tenho como irmão, e a Mireille Taury, a secretária do serviço, que me acolheu na minha chegada e que continuou sempre me recebendo com carinho, nas vezes que lá retornei.

Um artesanato típico de Marseille são uns bonecos feitos de barro, que retratam os diversos habitantes da região: o pescador, a vendedora de peixe, entre outros. São chamados de Santons e, a cada ano, é organizada uma feira com diversos tipos desse artefato.

O marselhês é também tão exagerado quanto nós recifenses. A praia mais badalada é Cassis, que eles afirmam: "Quem conheceu Paris e não conheceu Cassis nada conheceu". Contam também que uma sardinha obstruiu o Vieux Port (na realidade era um grande barco chamado Sardine). Estas histórias lembram o recifense dizendo que o Rio Capibaribe se junta ao Beberibe para formar o Oceano Atlântico.

Estas semelhanças com o Recife, guardando as suas especificidades nos leva a pensar que bem poderiam ser cidades-irmãs. Esta idéia nasceu justamente no mês em que se festeja o 14 de julho, data nacional da França e do amor e da alegria que tenho em estar sempre nestas duas belas cidades.


Publicado em 31.07.2008 no Jornal do Commercio

Data da última modificação: 31/10/2016, 10:56

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