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Univers(al)idade Federal: 75 anos

Publicado no Jornal do Commercio no dia 17 de agosto de 2021

Flávio Brayner*

Em 1937, o romancista austríaco Robert Musil, autor de "O homem sem qualidades", fez uma conferência intitulada "Sobre a estupidez" (também traduzida como "Sobre a burrice"). Defendeu que existiam dois tipos de burrice: a "honesta" (como falta natural de inteligência, uma limitação) e a "inteligente" (a abdicação voluntária do pensamento crítico, que nunca produz uma idéia significativa). Creio que nosso Ministro da Educação (alguém pode me lembrar o nome dele!) se enquadra nos dois tipos, o que não deixa de ser uma proeza pessoal: sua crença de que "a Universidade não é pra todo mundo!" cabe nos dois tipos da estupidez musiliana.

Para mostrar a "burrice" da frase ministerial, usarei a antiga denominação dos níveis de escolaridade (PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA, SUPERIOR), mais adequadas ao meu argumento. A educação PRIMÁRIA nos fornece os INSTRUMENTOS que precisamos para lidar com a cultura letrada (ler, escrever e seus usos sociais) dominante em nossa civilização; a educação SECUNDÁRIA nos proporciona o acesso aos CONTEÚDOS da cultura (as disciplinas escolares); e a educação SUPERIOR, para muito além de uma profissão, nos dá os CRITÉRIOS com os quais nós podemos avaliar os conteúdos de nossa saber, e que nos permitem melhor compreender o mundo dos homens (conteúdos estéticos, científicos, espirituais, intelectuais, emocionais, políticos... Na Pós Graduação nós produzimos aqueles "conteúdos" e julgamos sua validade). Assim, nossa "formação" alberga a existência de instrumentos, conteúdos e critérios e é isto que faz com que nossa "condição humana" possa se completar no interior de um quadro cultural cujos "conteúdos" estão em constante transformação, mas sem os INSTRUMENTOS ou os CRITÉRIOS caminharemos como cegos! Ora, TODOS OS HOMENS têm direito a isto, direito à "formação humana" e, neste sentido, a Universidade não deveria ser uma escolha reservada a privilegiados, mas um BEM ABSOLUTAMENTE COMUM! É isto que faz com que a idéia de UNIVERSITAS aqui se confunda com UNIVERSALIS.

Sei que ao longo de seus 75 anos, a UFPE, se configurou como uma instituição oligárquica, ora mais aberta, ora mais fechada. Mas inegavelmente ela avançou através de políticas específicas em que o Universal teve que ceder ao Particular e suas expressões culturais, e em sua honrosa tentativa de fazer com que TODOS OS HOMENS possam dispor daqueles critérios que nos permitem avaliar a qualidade substantiva de uma existência: UMA INSTITUIÇÃO QUE FORNECE CRITÉRIOS!

Vida longa à UFPE (e abaixo a burrice!).

*Flávio Brayner, professor da UFPE.

Data da última modificação: 17/08/2021, 12:49

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